Com os papéis do pix na mão, e as pipocas recém compradas, o jovem de 16 anos de idade prepara-se para organizar as pipocas para as vendas.
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Esta é a rotina diária do trabalhador informal Bernardo* e dos amigos, Pedro, de 20 anos e Miguel*, de 16 anos. Sentados em um bueiro, os jovens se apressam para grampear os papéis do pix nas pipocas.
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Este é o tempo que eles têm para colocar e tirar todas as mercadorias dos carros.
Todos têm uma coisa em comum, uma maratona diária para garantir o sustento do dia. Quando a luz vermelha se acende, é hora de dar a largada, e lutar para garantir a vitória do dia. Os meninos dividem-se entre os corredores dos carros e as pipocas são colocadas nos retrovisores.
Trabalhadores informais
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), no primeiro trimestre de 2024, o Brasil tinha 38,9 milhões de trabalhadores informais, o que representa 38,9% da população ocupada.
Segundo o IBGE, os trabalhadores informais são definidos por pessoas que trabalham por conta própria. De acordo com o instituto, a informalidade tem persistido no Brasil.
“Empreendedorismo”
Para o sociólogo Paulo Gracino de Souza Junior, esse fenômeno também se explica pelo crescimento de um discurso de empreendedorismo na sociedade. “Há uma ideia de individualização dos sujeitos sociais, a crença de que as pessoas poderiam ser auto suficientes, e que pudessem ser empreendedores de si próprios”, diz.
Miguel trabalha há 6 meses nos sinais de Brasília vendendo pipoca doce. O jovem conta que antes fazia entrega, mas sua moto quebrou. “Tive que vir para os sinais vender pipoca, para criar minha filha”, diz.
“Já fui xingado”
Ele relata que já passou por algumas dificuldades nos sinais. “Já fui muito xingado aqui, por simplesmente estar trabalhando honestamente. Você tá suando pra ganhar o sustento da sua filha, e acontece isso”, relata.
Em uma luta diária para conseguir sustentar-se e sustentar a filha, o jovem ressalta os dias positivos que enfrenta ao trabalhar nos sinais. “Uma vez ganhei R$100 de um cara, esse dinheiro me ajudou no dia”.
O rapaz mora em Águas Lindas de Goiás, município brasileiro do estado de Goiás, e diz que chega em casa entre 21h-22h. Sem saber o que vai ganhar no mês, no dia, a instabilidade financeira é a força que o jovem precisa diariamente para garantir o sustento.
Brasília, capital da esperança…
A comerciante Eliana Pereira dos Santos, de 50 anos de idade, atualmente moradora do Jardim ABC, Cidade Ocidental (GO), também é trabalhadora autônoma. Hoje, é a única fonte de renda da cozinheira. Ainda relata que apenas ela trabalha em casa.
Desde muito jovem começou a trabalhar. Saiu do Rio de Janeiro para tentar uma vida melhor e mais digna na capital. Eliana vende marmitas onde mora. A necessidade faz ela vender as marmitas pelo valor que dá.
“Hoje, vendo marmitas por aqui mesmo, acaba sendo complicado, porque preciso vender as marmitas por um valor muito baixo, para conseguir vender tudo”, diz.
Com um semblante cansado, a cozinheira relata algumas dificuldades que enfrenta. Morar longe é um obstáculo para ela e para o marido.
O local onde moram é distante, isto dificulta a corrida diária dos meninos e de Eliana. Muitos acabam gastando muito tempo indo e voltando para casa. Todos moram longe do centro de Brasília.
“Meu marido, por exemplo, foi a uma entrevista de emprego em Brasília, mas não conseguiu, porque não tinha como voltar para casa por causa do horário, a passagem de ônibus acabou ficando cara também”, relata Eliana.
O cientista político Joscimar Silva explica que essa desigualdade já foi “planejada” desde a construção da capital, sendo essa problemática um aspecto histórico.
“A construção de Brasília foi pensada como uma região de servidores públicos, não havendo assim, espaço para os trabalhadores. Dessa forma, estes começaram a se alojar no plano de expulsão que foi imposto a eles”, diz.
Muros
Para o geógrafo Allyson César, a capital é demarcada por muros que são responsáveis por separar áreas socialmente desiguais. O geógrafo acredita que a desigualdade é fruto do tempo de hoje. “Ela que tem provocado a construção desses muros, não só concretos, como invisíveis também”.
Para ele, os muros atendem a interesses de uma realidade, “uma sociedade com dois lados, o que vive a abundância e aquele que vive a miséria, duas realidades que territorialmente não são muito distantes, são muito próximas”, ressalta.
Sem uma renda fixa, Bernardo relata que passa por constantes dificuldades trabalhando nos sinais de Brasília. Grande parte dos dias, Bernardo perde as pipocas por causa de carros que vão embora sem pagar, ou passam por cima.
Essas situações que, de acordo com o jovem, acontecem com frequência, acabam prejudicando a renda do dia.
“Ontem mesmo, acho que perdi umas 10 pipocas. Tem hora que os carros passam por cima, e não estão nem aí”, diz.
Bernardo, atualmente morando sozinho, já tem responsabilidades de adulto, e esforça-se para conseguir pagar o aluguel.
O som da esperança
Pedro, que também trabalha no semáforo com o amigo Bernardo, é o grande apoiador do parceiro. Trabalhando juntos desde muito novos, os dois formam uma espécie de equipe, e batalham todos os dias para ajudar a família.
O som da buzina desperta a esperança nos meninos, para conseguir o dinheiro do dia, uma pipoca vendida, um passo em direção à linha de chegada.
Os dois tiveram que deixar os estudos muito cedo para lidar com as dificuldades que as circunstâncias da vida trouxeram para eles. Apesar dos obstáculos, os dois trabalham juntos com a esperança de alcançar seus sonhos.
Pedro tem seus sonhos, e com uma esperança em sua fala, ele relata que sonha em ser mecânico e ter sua própria oficina. Ele sabe que se quiser de verdade pode conseguir realizar este sonho. A realidade é um pouco contrária à força que o jovem tem nele e no amigo.
Já Bernardo quer ser veterinário. Mas diferente do amigo, o jovem não acredita que seja possível realizar este sonho. Para o jovem é uma realidade muito distante. “Se eu conseguir, quero ser veterinário, cuidar de cavalo…”, exemplifica.
Para Pedro, o “ se eu conseguir” não é uma possibilidade. Ao lado de Bernardo, o amigo na mesma hora o encoraja, e o corrige, “se conseguir, não, você vai conseguir parceiro”.
“Sustentar a família”
A maratona que os dois percorrem todos os dias é cansativa, mas trabalhar nos sinais é o sustento dos dois. “Vai dando certo. A gente trabalha aqui no sinal para sustentar a família”, diz. Mesmo com as dificuldades, o trabalho é feito com um grande sorriso no rosto.
Os rapazes relatam que em horário de pico, o desafio de vender pipocas é maior. Devido ao movimento, a corrida torna-se perigosa.
“Se não for ligeiro, os motoqueiros passam em cima. Se acontecer alguma coisa com a gente, já não vai ser a mesma coisa porque a gente precisa ter reflexo”, relata.
Em uma conversa dos três, os amigos relatam um episódio, em que o amigo, que também vendia pipocas com eles, sofreu um acidente grave. “Uma vez meu amigo foi atropelado, na chuva, ele ficou internado, na UTI, quase morreu”, diz Miguel.
Os jovens ressaltam que o amigo foi atropelado por um policial. “E foi um policial que atropelou ele, com aquelas motos de polícia”, ressalta.
O amigo atropelado, que ficou com sequelas, hoje está impossibilitado de trabalhar. “E aí como o cara fica depois? Não está conseguindo trabalhar, depende disso aqui, e agora não dá mais”, relata Miguel com revolta.
“É de boa”
Apesar dos perigos enfrentados durante o trabalho, a esperança de Bernardo, com a determinação do amigo Pedro, e a força de vontade de Miguel, sustenta o dia deles com muita felicidade. “É de boa o sinal. Dá pra sobreviver e não passar fome. A gente trabalha aqui na felicidade, na chuva e no sol”, explica Pedro.
Depois da última luz verde, que marca o fim do dia de trabalho, os meninos finalizam o dia às 20h, dependendo do dia. Eles ainda relatam, que algumas vezes, finalizam o dia sem comer.
“Já ficamos várias vezes sem comer aqui, aí só comemos quando chegamos em casa”, explica Bernardo.
Para eles, o trabalho informal traz desafios e barreiras constantes. Para o sociólogo Paulo Gracino, há uma estratégia de sobrevivência desses trabalhadores, para garantir o sustento.
Por necessidade, os meninos e Eliana garantem a renda por meio do trabalho informal. A luta pela sobrevivência diária garante a eles a força para conseguir passar pelos desafios da vida.
*Os nomes foram alterados para garantir a segurança das crianças.
Por Jornal de Brasília
Foto: Laís Tenório / Reprodução Jornal de Brasília