Criado há sete anos, o Instituto Doando Vidas por Rafa e Clara (IDV) trouxe mais uma vez a magia do Natal para as crianças por meio de ações voltadas ao período festivo. “Nossas crianças possuem muito pouco em seu dia a dia: pouco alimento, pouco carinho, pouca infraestrutura. Para elas, o Natal é um momento de muitos sonhos e grandes esperanças. A partir dessa premissa, procuramos ensiná-las que o Natal não é apenas sobre presentes. É uma celebração que carrega uma história de amor, esperança e renovação. É isso que buscamos transmitir”, explicam Henrique e Luciana Andrade, idealizadores do projeto.
Para tornar o Natal inesquecível, o IDV organizou uma semana inteira de atividades lúdicas, que culminaram com a aguardada visita do Papai Noel. “Essa figura, tão presente no imaginário infantil, tornou-se real diante dos olhos das crianças. Para elas, ele é um ser mágico que desce do céu carregado de presentes. Mas, aqui, ele trouxe mais do que presentes: trouxe abraços, sorrisos e a concretização de sonhos”, diz Luciana. A instituição também organizou momentos lúdicos com personagens vivos, pintura de rosto, brincadeiras e uma tarde com lanches especiais.
Outro momento marcante da semana foi a cantata de Natal, apresentada pelos alunos da Escola Britânica. “Foi mágico. O coral, formado por crianças mais velhas, encantou a todos. Após a apresentação, houve interação e brincadeiras entre os grupos. Muitas de nossas crianças nunca tiveram a oportunidade de conhecer outras realidades, pois não possuem recursos para sair de Santa Luzia. Da mesma forma, muitas crianças de escolas particulares não conhecem a pobreza. Esse encontro proporcionou aprendizado, empatia e trocas enriquecedoras para todos”, celebra Henrique.
Além das atividades para as crianças, o IDV organizou uma campanha de arrecadação para montar cestas de alimentos típicos de uma ceia natalina, como panetone, frango e passas. “Com os recursos arrecadados, conseguimos preparar cestas incríveis. Durante a reunião de encerramento do ano, entregamos as cestas aos pais. Foi emocionante ver a alegria e a gratidão nos olhos deles. Essa iniciativa garantiu não apenas uma ceia especial, mas também um momento de partilha com parentes ou vizinhos em condições semelhantes”, relata Luciana.
O instituto
Localizado em um galpão na Estrutural, o Instituto Doando Vidas por Rafa e Clara funciona como uma creche para 80 crianças de 2 a 5 anos, provenientes de Santa Luzia, uma comunidade que era vizinha do maior lixão da América Latina e enfrenta severas condições de precariedade, como a falta de água potável, esgoto, luz e pavimentação.
As crianças são acolhidas diariamente, das 7h às 17h, em um ambiente projetado para atender integralmente às necessidades delas, de forma lúdica e acolhedora. O espaço conta com parquinho, refeitório, árvores frutíferas e uma horta que abastece as refeições servidas. Durante o dia, os pequenos recebem alimentação balanceada, participam de brincadeiras, atividades físicas como judô e iniciativas socioculturais. Além disso, contam com o suporte de uma equipe multidisciplinar formada por psicólogos, nutricionistas e assistentes sociais, garantindo um cuidado abrangente e direcionado ao bem-estar e desenvolvimento.
O impacto do IDV não se limita aos pequenos. A instituição também apoia as famílias por meio de projetos de profissionalização. “Aqui havia um lixão, e muitas pessoas da comunidade viviam como catadores. Um morador da comunidade me disse certa vez: ‘Eu só sei catar lixo’. Por isso, entendemos que, para transformar a realidade das famílias, era essencial investir em capacitação profissional”, conta Henrique.
Luciana complementa: “Nosso objetivo é impactar positivamente toda a família, já que as crianças retornam para casa ao fim do dia.Trabalhamos com capacitações para o mercado de trabalho e também abordamos questões delicadas da vida cotidiana, como, por exemplo, a violência doméstica. Para isso, promovemos rodas de conversa, criando um espaço de diálogo aberto e acolhedor”.
O projeto é financiado integralmente por doações e parcerias. Por meio de um programa de associação, permite que pessoas contribuam com doações mensais sem valor mínimo, apenas solicitando que o compromisso seja mantido por 13 meses. Essa estratégia possibilita um planejamento financeiro eficiente. “Atualmente, temos 22 funcionários contratados sob regime CLT, o que implica custos com salários, impostos e encargos trabalhistas, além de despesas fixas como aluguel, água e luz”, explica Henrique. Embora os recursos provenientes de doações individuais e empresariais sejam essenciais, eles raramente cobrem todas as despesas. “No fim do mês, é sempre difícil fechar as contas. Muitas vezes, temos que recorrer ao apoio de amigos, empresários”, lamenta Luciana.
Legado
O instituto nasceu como um legado em homenagem a Rafaela e Clarinha, filha e neta do casal, respectivamente. Rafaela, formada em nutrição pela Universidade de Brasília, sonhava em dedicar sua vida à alimentação de crianças em situação de vulnerabilidade. Com esse objetivo, realizou um mestrado no Canadá, em 2013, e planejava retornar ao Brasil para iniciar seu doutorado. No entanto, 18 dias antes de sua volta, ela e sua filha Clara sofreram um acidente fatal.
O processo para trazer os corpos de volta ao Brasil foi extremamente desafiador. Devido a um feriado no Canadá, muitos serviços estavam fechados, dificultando a logística. O apoio de amigos, autoridades e da imprensa brasileira foi crucial. Após 15 dias de esforços, os corpos foram finalmente transportados ao Brasil, permitindo que a família realizasse o sepultamento. “Foi uma experiência indescritivelmente difícil, carregando as urnas com o coração em pedaços, quase sem conseguir raciocinar. Quando chegamos, tudo estava organizado aqui, e somos profundamente gratos ao povo brasileiro, especialmente aos que nos ajudaram em Brasília, Rio e São Paulo. Após o sepultamento, começou a dolorosa jornada do luto”, relembra Luciana, emocionada.
Apesar da dor, os pais de Rafaela decidiram que a morte dela não seria em vão. “A dor do luto era avassaladora, mas sabíamos que o sonho de Rafaela não podia morrer. Aos poucos, reunimos a família e planejamos a criação de um instituto que preservasse seu legado de cuidar de crianças em situação de vulnerabilidade. Mesmo sem experiência ou recursos, fomos até a comunidade onde ela sonhava atuar. Inicialmente, montamos uma creche no local, mas buscamos um espaço legalizado para oferecer um serviço digno”, explica Henrique.
Por Maria Eduarda Lavocat do Correio Braziliense
Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press / Reprodução Correio Braziliense