O que aconteceu nos países que não fizeram lockdown na pandemia de covid

A maior parte do mundo se viu confinada em suas casas em março de 2020, enquanto a covid-19 se espalhava em um ritmo alucinante. Alguns países não impuseram nenhum lockdown, mas será que a decisão deles foi a correta?

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Em março de 2020, bilhões de pessoas olhavam pelas janelas para um mundo que não reconheciam mais. De repente, confinadas em suas casas, suas vidas haviam se reduzido abruptamente a quatro paredes e telas de computador.

Em todo o planeta, líderes nacionais apareceram na televisão, dizendo à população para ficar em casa — e só sair para comprar suprimentos essenciais ou para se exercitar uma vez por dia. Era uma tentativa desesperada de conter a disseminação de um vírus aterrorizante que já havia matado milhares de pessoas ao redor do mundo.

Em Londres, Tony Beckingham e sua companheira decidiram usar sua cota de exercício diário para pedalar até o centro da cidade em uma noite.

“Achamos que seria muito divertido não ver ninguém por perto”, diz ele.

Mas não foi. Lugares que o casal conhecia bem, como Piccadilly Circus e Leicester Square, sempre lotados de gente, estavam assustadoramente silenciosos. “Foi muito perturbador — de cara”, conta Beckingham.

Esta retirada da população das ruas, estabelecimentos e empresas começou na China, onde surgiu a covid-19.

As ordens de quarentena logo foram replicadas em outros países depois que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou uma pandemia em 11 de março de 2020.

Em nenhum momento anterior da história da humanidade, as pessoas haviam enfrentado restrições de tamanha proporção como estas.

Mas alguns países agiram de forma diferente. SuéciaTaiwanUruguaiIslândia e alguns outros nunca decretaram um lockdown que envolvesse restrições severas à circulação de pessoas, como ordens obrigatórias para permanecer em casa legalmente aplicadas a grandes faixas da população.

Em vez disso, esses países optaram por outras medidas, como restrições a grandes aglomerações de pessoas, testes abrangentes e quarentena de pessoas infectadas ou restrições de viagem.

Cinco anos depois, os estudos científicos e os dados se acumularam, oferecendo uma avaliação detalhada e de longo prazo sobre se estes países estavam certos em rejeitar uma intervenção de saúde pública mais drástica.

A cidade sueca de Gotenburgo é um paraíso para os apaixonados por cães, diz a administradora de recursos humanos e blogueira Anna McManus.

“Temos uma cidade que acolhe muito bem os cachorros”, diz ela. “Temos até um cinema que aceita cães.”

Enquanto países do mundo todo, incluindo a Suécia, Noruega, Finlândia e Dinamarca, na vizinhança, deram início a lockdowns nacionais em março de 2020, McManus estava ciente de que o governo do seu próprio país havia decidido nadar contra a corrente.

Ela ouviu dizer que os donos de cães em alguns países não podiam nem sequer levar seus animais de estimação para passear por causa das regras de lockdown.

A África do Sul era um destes países. Isso soou terrível para McManus. Na época, ela escreveu uma postagem em seu blog que dizia: “Estou convencida de que meu governo está agindo de forma segura e correta”.

No entanto, ela também manifestou preocupação com o fato de que seus compatriotas suecos nem sempre seguiam as diretrizes oficiais de saúde pública sobre distanciamento social, como limitar o número de pessoas que poderiam se reunir em um grupo.

McManus se lembra de fazer caminhadas frequentes em locais com belas paisagens, mas também de que ela e seus colegas usavam máscara constantemente no hospital veterinário em que ela trabalhava em 2020, para ajudar a prevenir a transmissão da covid-19.

Além disso, ela e seu companheiro evitavam restaurantes e encontros com muita gente. Mesmo agora, Mc Manus diz que não tem certeza do que pensar sobre a estratégia oficial da Suécia.

“Quero basear isso em fatos, como quantas pessoas morreram”, diz ela. “Será que poderíamos ter salvado muito mais gente se tivéssemos feito um lockdown?”

Os cientistas tentaram responder a esta pergunta. Ingeborg Forthun, do Instituto Norueguês de Saúde Pública, e pesquisadores de outros países, incluindo a Suécia, publicaram um estudo em maio de 2024 que comparou as mortes em excesso (acima da média histórica) na Suécia, Noruega, Dinamarca e Finlândia durante os primeiros anos da pandemia.

Enquanto a Suécia evitou controles rígidos impostos pelo governo, confiando principalmente em mudanças voluntárias de comportamento de seus cidadãos, as outras três nações impuseram lockdowns rígidos nos estágios iniciais da pandemia.

A Noruega, a Finlândia e a Dinamarca fecharam escolas e a maioria dos outros aspectos da vida pública, além de pedir que as pessoas trabalhassem de casa, mas não chegaram a confinar a população em suas residências como fizeram outros países, como o Reino Unido.

Talvez sem surpresa, os pesquisadores descobriram um aumento notável nas mortes em excesso na Suécia durante as ondas iniciais da pandemia, na primavera e no inverno do hemisfério norte de 2020, quando a covid-19 conseguiu se espalhar mais livremente, do que nas nações vizinhas.

Mas, embora a mortalidade em excesso tenha caído nos outros três países em 2020, ela aumentou em comparação com a Suécia em 2021 e 2022.

“Os quatro países têm um número comparável de mortes em excesso quando se leva em consideração o fato de que o tamanho da população é diferente”, observa Forthun.

O que os lockdowns afetaram, em parte, foi o momento em que os picos de mortes em excesso ocorreram.

Com relação à abordagem da Noruega, Forthun acrescenta: “Provavelmente mantivemos algumas pessoas idosas e vulneráveis vivas por um período mais longo.”

Já as autoridades da Suécia foram criticadas em 2020 pelo alto número de mortes em casas de repouso.

Alguns economistas combinaram dados semelhantes com comparações de indicadores de desempenho econômico entre os mesmos quatro países nórdicos para argumentar que, de uma maneira geral, a abordagem da Suécia foi justificada devido aos custos econômicos relativamente baixos.

Mas estes argumentos são controversos, e a falta de um lockdown na Suécia continua gerando debates acalorados.

Outro estudo realizado por um grupo de economistas alemães — que fez uma simulação de como um lockdown poderia ter afetado os resultados da pandemia na Suécia — sugere que as significativas restrições voluntárias adotadas pela população no país parecem ter replicado alguns dos efeitos de um lockdown de qualquer forma.

Uma epidemiologista sueca, Nele Brusselaers, do Instituto Karolinska, criticou a estratégia de covid-19 do país. Ela se mudou para a Bélgica durante a pandemia.

“Sou médica, então é claro que me preocupo com vidas”, diz ela. “Queremos salvar cada vida”.

Ela afirma que muitos de seus compatriotas suecos “ainda estão em negação” em relação à covid-19, embora alguns tenham questionado a falta de lockdown nos últimos anos.

Brusselaers, que morava na Suécia em 2020, observa como suas postagens nas redes sociais sobre a covid-19 resultaram em uma forte reação por parte de alguns que discordavam da sua posição sobre o lockdown como uma estratégia apropriada.

“Você recebe muito ódio”, diz ela. “Isso não é algo com que eu estava acostumada.”

Ainda hoje, algumas pessoas acham difícil superar a hostilidade que enfrentaram quando o tema era lockdown.

Um pesquisador universitário com quem a BBC entrou em contato para esta reportagem disse que ficou tão traumatizado com o abuso que recebeu online em 2020 que nunca mais pretendia comentar publicamente sobre as medidas de controle da covid-19, ou lockdowns.

Além disso, algumas pessoas que viviam em países sem lockdown, e que discordavam da abordagem de seus governos, ainda estão se recuperando da experiência.

A Tanzânia nunca teve nenhum lockdown em decorrência da covid-19.

O ex-presidente do país, John Magufuli, que descartou os lockdowns e outras intervenções de saúde pública, morreu em 2021.

A abordagem de Magufuli à pandemia foi “não científica”, diz Fadhili Mtani, professor de história da Universidade Muçulmana de Morogoro, na Tanzânia. “Ele defendeu o uso de ervas tradicionais e, mais tarde, rejeitou as vacinas.”

Mas Mtani se lembra de ter visitado hospitais onde membros da sua própria família haviam falecido. “Eu vi pessoas sufocando nos hospitais”, diz ele.

“O hospital disse que não deveríamos dizer que era covid”, acrescenta.

Os dados oficiais sugerem que cerca de 840 pessoas morreram de covid-19 na Tanzânia desde o início da pandemia.

Mas Mtani afirma que o governo não disponibilizou estatísticas precisas. Uma colaboração internacional destinada a estimar o número global de mortes em excesso durante os dois primeiros anos da pandemia, estimou o número total de mortes na Tanzânia em algo entre 102 mil e 188 mil.

Mtani argumenta que a Tanzânia deveria ter decretado um lockdown, embora sem impor restrições excessivas à circulação dos trabalhadores.

“A maioria das pessoas é pobre. Negar a circulação para elas é negar sua existência”, explica Mtani.

Muitos cientistas enfatizam que os lockdowns foram cruciais para salvar vidas no início da pandemia, antes de as vacinas estarem disponíveis, e também para limitar a pressão sobre os serviços de saúde.

Em março de 2020, esta pressão já era acentuada no Reino Unido, diz Adam Kucharski, professor de epidemiologia de doenças infecciosas da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.

“O NHS (sistema público de saúde britânico) estava sobrecarregado”, explica Kucharski, referindo-se ao relato emocionado de médicos que testemunharam no inquérito público do Reino Unido sobre a resposta do governo à covid-19.

“É ridículo sugerir que [o NHS] não estava efetivamente sob uma pressão avassaladora naquele momento”, ele acrescenta.

Kucharski também destaca que, devido às conexões globais do Reino Unido e ao grande número de jovens que vivem juntos ou com os pais, em comparação com a Suécia, por exemplo, poderia ter sido muito mais difícil para o Reino Unido controlar a transmissão da covid-19 sem impor um lockdown.

Ele também cita um estudo de 2021 que tentou quantificar o efeito de intervenções governamentais específicas na disseminação da covid-19, usando dados de 41 países.

O estudo revela que certos aspectos dos lockdowns nacionais podem ter sido mais impactantes do que outros.

Os pesquisadores descobriram, por exemplo, que a proibição de reuniões com mais de 10 pessoas ou o fechamento de escolas e universidades foi especialmente eficaz, reduzindo a transmissão em mais de 35%, em média.

No entanto, o fechamento de restaurantes e bares pareceu fazer um pouco menos de diferença na transmissão.

Além disso, os pesquisadores sugerem que adicionar uma ordem estrita para permanecer em casa além destas medidas “teve apenas um pequeno efeito adicional” em termos de desaceleração da covid-19 — estimado em menos de 17,5% em média.

Os países que optaram por não fazer um lockdown severo também podem ter tido mais tempo para se preparar para a chegada da covid-19, ou razões sociais e estruturais para que o vírus Sars-CoV-2, causador da doença, tivesse menos chance de se espalhar rapidamente ali, em comparação com outros países.

Mesmo assim, há comparações surpreendentes a serem feitas. Vejamos o caso da Islândia e da Nova Zelândia, por exemplo.

Ambas são nações insulares ricas com populações relativamente pequenas, mas enquanto a Nova Zelândia introduziu um lockdown rigoroso em 25 de março de 2020, a Islândia nunca impôs a medida.

“Eles [a Islândia] tinham mais estratégia de mitigação”, diz Leah Grout, analista de dados de pesquisa especializada em saúde pública da Universidade de Ciências da Saúde do Sul da Califórnia, nos EUA.

Grout foi a principal autora de um artigo de pesquisa sobre as estratégias e os resultados contrastantes da covid-19 nestes dois países.

A Islândia introduziu um programa de teste e rastreamento, em que as infecções e os contatos entre as pessoas eram monitorados para que os indivíduos — e não populações inteiras — fossem solicitados a cumprir quarentena por um tempo.

Esta medida também foi usada em muitos países que aplicaram confinamentos, quando os lockdowns foram suspensos. A Islândia tinha algumas restrições relacionadas a reuniões sociais, e fechou suas fronteiras para alguns viajantes, por um breve período.

“A Nova Zelândia teve uma das taxas de mortalidade mais baixas do mundo com sua abordagem”, afirma Grout.

“A Islândia também se saiu muito bem.” Além disso, os impactos econômicos em ambos os países foram limitados, ela acrescenta.

Outros pesquisadores chegaram a conclusões semelhantes em relação à Nova Zelândia e à Islândia.

Muito foi escrito em 2020 sobre os esforços de vários países para enfrentar a pandemia da covid-19.

Mas, em retrospecto, parece que era muito cedo para se chegar a conclusões reais.

O Uruguai foi elogiado na época por aparentemente conseguir manter a covid-19 sob controle, apesar de nunca ter decretado um lockdown rigoroso.

O governo aplicou algumas formas de distanciamento social, incluindo o fechamento de algumas academias de ginástica, e as fronteiras do país também foram fechadas para determinados viajantes, por exemplo.

Mas os portos permaneceram abertos, e não houve nenhuma ordem para permanecer em casa que afetasse toda a população.

Um estudo publicado em 2024 constatou que, embora o número de mortes em excesso tenha sido baixo no Uruguai em 2020, na verdade elas aumentaram significativamente em 2021 e 2022.

As mortes em excesso em 2021, por exemplo, foram quase 19% acima do esperado, com base nas tendências históricas.

Os autores do estudo atribuem isso principalmente à disseminação da covid-19, mas acrescentam que os impactos da pandemia sobre a capacidade de fornecer assistência médica de outras maneiras provavelmente também desempenharam um papel nisso.

Da mesma forma, o Japão conseguiu manter a mortalidade por covid-19 em um nível relativamente baixo no início da pandemia.

No verão do hemisfério norte de 2022, haviam sido registrados 36.200 óbitos em decorrência da doença no país. Hoje, este número chega a 130 mil.

Mas o que aconteceu nesse ínterim? A variante ômicron. Novas mutações do vírus Sars-CoV-2 inicial que se espalhou pelo mundo em 2022 e 2023.

Alguns pesquisadores argumentam que a abordagem do Japão provou ser a correta no geral.

“Mesmo sem o lockdown, a supressão das curvas epidêmicas foi amplamente bem-sucedida”, afirma Hiroshi Nishiura, professor da Escola de Pós-Graduação em Medicina da Universidade de Kyoto, no Japão.

No entanto, assim como em outros países em que lockdowns legalmente obrigatórios não entraram em vigor, há evidências de que as pessoas no Japão mudaram significativamente seu comportamento de qualquer maneira.

Um estudo sobre a circulação das pessoas com base em dados de telefones celulares sugere que, quando o governo japonês declarou estado de emergência em todo o país em abril de 2020, as pessoas em Tóquio reduziram suas saídas de casa quase tanto quanto as pessoas nos EUA que, em contrapartida, enfrentaram lockdowns legalmente obrigatórios.

Apesar disso, Yasuharu Tokuda, epidemiologista clínico e diretor do Centro de Hospitais de Ensino Muribushi Okinawa, no Japão, argumenta que uma abordagem mais rígida poderia ter sido benéfica.

“Alguns pacientes não puderam ser internados nos hospitais devido à falta de leitos disponíveis”, diz ele.

“Se tivermos uma forte pandemia viral, vamos precisar ter um lockdown mais rigoroso no Japão.”

No entanto, pesquisas sugerem que pode haver resistência a esta ideia entre a população do país.

É importante refletir sobre o quão drástico é realmente um lockdown. Kucharski, por exemplo, classifica a medida como uma ferramenta “contundente”.

“Nunca deveríamos ter chegado a este ponto em que estávamos em apuros, com tão pouca visibilidade do que a pandemia estava fazendo”, diz ele.

Foi devido à falta de certeza sobre o que aconteceria a seguir e à escassez de outras intervenções disponíveis que o Reino Unido foi mais ou menos forçado a entrar em lockdown, ele sugere.

Muitos ainda não superaram os efeitos do lockdown. Em março de 2020, Bill Allison, ex-funcionário público na Escócia, estava na casa dos 60 anos. Ele tinha muitos planos para sua aposentadoria — queria conhecer o mundo.

Naquela época, Allison também era um ávido frequentador de pubs, e se reunia frequentemente com os amigos para tomar uma cerveja.

lockdown o impediu de continuar com esta rotina. Ele diz que seguiu as regras o tempo todo, mas isso o deixou com uma profunda sensação de solidão e isolamento.

“Juntei todos os pedaços de madeira que tinha e decidi ver se conseguia transformá-los em uma guitarra elétrica”, ele conta.

“Eu trabalhava até tarde da noite. Não havia mais nada para fazer, na verdade.”

Ele encontrou um grupo online de fabricação de guitarras, por meio do qual conheceu pessoas com interesses semelhantes. “Fiz muitos amigos novos.”

Mas quando o mundo começou gradualmente a se abrir novamente, Allison foi atingido por uma forte sensação em relação ao que ele estava perdendo, e que era difícil de recuperar.

“O pub perto da minha casa não é mais tão movimentado como era antes da covid”, diz ele.

“Me tornei bastante introvertido, e agora acho que não quero interagir com as pessoas tanto quanto antes. Estava conversando sobre isso com alguns dos meus amigos. […] Todos nós nos sentimos muito infelizes.”

Prestes a completar 72 anos, Allison afirma que seus planos de viagem pré-pandemia continuam suspensos.

“Estou chegando a uma idade em que não quero mais fazer um voo de nove horas para o outro lado do mundo. Isso meio que me fez recuar.”

Inúmeros estudos mostram que o isolamento social e a solidão afetaram milhares de pessoas durante a pandemia, e que este foi um problema particularmente grave durante os lockdowns nacionais.

Também houve impactos negativos sobre as famílias monoparentais, que tiveram mais dificuldade de obter uma renda enquanto cuidavam dos filhos.

Houve preocupações ainda de que a perda repentina da interação social e do acesso à educação afetasse o desenvolvimento de crianças pequenas, com algumas evidências apontando para um impacto em suas habilidades linguísticas.

Mais de um bilhão de crianças e estudantes se viram sem acesso a seus métodos habituais de aprendizagem.

Uma pesquisa publicada recentemente usando dados de 72 países sugere que o fechamento de escolas durante a pandemia pode ter levado a um declínio nas pontuações de matemática em uma média de 14% — o equivalente a sete meses de aprendizado.

Em países como o Reino Unido, o lockdown foi associado a um aumento no abuso doméstico.

E, além disso, os lockdowns tiveram um enorme impacto no acesso à saúde. Muitas pessoas descobriram que seus exames e tratamentos de câncer foram cancelados ou adiados, por exemplo.

Quanto aos potenciais benefícios dos lockdowns não relacionados à transmissão da covid-19, muito se falou sobre as reduções temporárias na poluição do ar e nas emissões de carbono, como resultado das restrições impostas durante os estágios iniciais da pandemia.

Essas reduções acabaram sendo temporárias, uma vez que as emissões de gases de efeito estufa voltaram a aumentar, e a qualidade do ar piorou, quando as pessoas saíram do confinamento.

Em alguns países, as autoridades que tentaram impor lockdowns rigorosos e uma política de “covid zero” foram recebidas com protestos violentos por parte da população. Alguns casos amplamente divulgados aconteceram na China em 2022.

Não há como deixar de lado o fato de que uma ordem abrangente para permanecer em casa é uma intervenção extrema, e que vem acompanhada de muitas consequências negativas. Em 2020, os governos tiveram que avaliar se poderiam aplicar com sucesso esta medida, e se ela realmente valia a pena.

A menos, é claro, que eles tivessem uma alternativa. O governo de Taiwan, por exemplo, nunca impôs um lockdown e, em vez disso, confiou no uso quase universal de máscaras, restrições nas fronteiras e rastreamento intensivo de contatos, o que envolveu o acesso a muitos dados pessoais. Isso incluía informações de cartões inteligentes de transporte e dados de localização de telefones celulares. Parte deste monitoramento foi exaustivo.

“[Os Centros de Controle de Doenças de Taiwan] também criaram um sistema de localização em tempo real baseado no smartphone para rastrear os sinais de telefone dos contatos, e alertar as autoridades locais se alguém saísse do local designado ou desligasse o telefone.

As autoridades entrariam em contato ou visitariam pessoalmente as pessoas que acionassem um alerta, dentro de 15 minutos”, observa um artigo.

Basicamente, Taiwan (e mais tarde a Coreia do Sul, que, até certo ponto, refletiu a abordagem de Taiwan) evitou o lockdown por meio de monitoramento e controle minuciosos de toda a população.

No entanto, mesmo em Taiwan, os surtos de covid-19 causaram problemas. Inicialmente, no primeiro semestre de 2021, e depois novamente em 2022, os casos aumentaram à medida que algumas medidas preventivas no país, e a própria população, começaram a relaxar.

Os pesquisadores observam, no entanto, que as mortes por covid-19 se tornaram menos comuns com o passar do tempo, conforme as autoridades de saúde de Taiwan distribuíam vacinas para a população.

Embora estes estudos de caso de vários países mostrem que foi claramente possível enfrentar a pandemia de covid-19 sem recorrer a lockdowns nacionais, os resultados finais parecem depender dos atributos de países específicos, de suas populações e de seus sistemas de saúde.

Em última análise, a grande maioria das nações decretou lockdowns em algum momento durante 2020 ou 2021, e seria difícil sugerir que todas elas estão em situação significativamente pior por causa desta intervenção, especificamente.

Ainda assim, cinco anos depois, a severidade dos lockdowns e seus efeitos sobre milhões, se não bilhões de pessoas, se tornaram mais claros.

Até mesmo alguns pesquisadores que encontraram evidências de que os lockdowns salvaram vidas, advertiram contra o uso apressado desta medida no futuro.

Os efeitos de longo prazo sobre as crianças, a educação e as economias ainda estão em andamento, e provavelmente não serão totalmente compreendidos por muitos anos.

Independentemente do que os governos decidam fazer, ter um plano que eles comuniquem antes de qualquer nova pandemia, provavelmente vai melhorar a aceitação e a adesão do público a qualquer mitigação rigorosa, diz Grout.

“Precisa ser muito claro.” Isso significa que todo mundo poderia saber com antecedência que circunstâncias desencadeariam um lockdown.

Em Gothenburg, McManus se lembra dos debates que teve com colegas suecos sobre se seu país estava fazendo a coisa certa em 2020. E de como algumas pessoas pareciam indiferentes ou desinteressadas em seguir as diretrizes de distanciamento social na época.

“Nem se fala mais sobre isso”, ela afirma. “Olhando para trás, fico pensando se, como sociedade, será que realmente aprendemos alguma coisa com isso?”

Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

Por Chris Baraniuk – BBC Future

Foto: Alamy / Reprodução Correio Braziliense

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