Acidentes de trabalho crescem 178% no DF em dois anos

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O número de acidentes de trabalho no Distrito Federal atingiu níveis alarmantes nos últimos anos. De acordo com o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest-DF) que integra a Secretaria de Saúde do DF (SES-DF), em 2022 foram registradas 3.605 ocorrências. Em 2023, esse número saltou para 9.158, e, em 2024, chegou a 10.026 casos — um aumento de 178% em apenas dois anos. Somente nos primeiros quatro meses de 2025, já foram notificadas 3.801 ocorrências, mantendo o ritmo preocupante, conforme relatório da SES-DF.

Esse crescimento não se reflete apenas em números, mas em histórias como a do caminhoneiro Isailton Trindade, 44 anos, que fraturou a tíbia ao cair ao ajustar a lona da caçamba de um caminhão, em maio de 2023. “Foi uma dor que eu nunca tinha sentido. Precisei de cirurgia para colocar pinos e fiquei mais de dois meses afastado do trabalho”, relata. Ele critica a falta de treinamento por parte da empresa: “Segurança é algo que quase não existe na prática para quem está na estrada. Um simples curso e fiscalização mais firme já evitariam muita coisa.”

A alta nos acidentes tem sido atribuída, em parte, à melhoria dos sistemas de notificação e ao reforço da vigilância por parte do Cerest-DF e da Subsecretaria de Saúde do Trabalhador. Entretanto, especialistas alertam que a realidade no DF é mais grave do que a média nacional. O Brasil registrou cerca de 724 mil acidentes de trabalho em 2024, segundo o Anuário Estatístico do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), e o DF responde por aproximadamente 1,5% desse total, com taxas de crescimento acima da média nacional.

Setores mais afetados

A construção civil lidera o ranking dos setores mais atingidos, com 2.353 acidentes envolvendo pedreiros em 2024, o que representa quase um quarto das ocorrências no DF. O Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-DF) aponta ainda os serventes de obras como vítimas de 35% dos incidentes do setor. A saúde ocupa o segundo lugar, com 1.861 registros entre técnicos de enfermagem — em sua maioria relacionados a perfurações, cortes e contato com material biológico. O transporte aparece em seguida, com destaque para os motociclistas de aplicativos, que somaram 883 acidentes, além de 417 ocorrências ligadas ao trânsito, conforme boletins do Cerest-DF.

Entre as causas mais frequentes estão as operações com máquinas e equipamentos, responsáveis por 7.005 registros nos últimos três anos, seguidas por quedas — tanto de altura quanto em nível —, com 4.254 casos. A construção civil concentra os acidentes mais graves, principalmente por quedas de andaimes e choques elétricos, enquanto, no transporte, predominam colisões e acidentes de trajeto.

A mortalidade também é motivo de preocupação. Em 2022, o DF registrou 34 mortes relacionadas a acidentes de trabalho, número que pode ser superado, já que apenas entre janeiro e abril de 2024 houve 29 óbitos. Entre motociclistas, foram 74 mortes em 2024, contra 69 em 2023, segundo dados da SES-DF. Além disso, estima-se que 211 trabalhadores fiquem incapacitados permanentemente todos os anos em decorrência de acidentes graves.

A advogada Paula Borges Silva, especialista em Direito e Processo do Trabalho, explica que a prevenção é um dever legal das empresas. “A legislação impõe às empresas o dever de garantir um ambiente de trabalho seguro, adotando medidas para prevenir acidentes e proteger a saúde física e mental dos trabalhadores. Isso inclui cumprir normas de segurança, orientar os empregados sobre riscos e fornecer gratuitamente EPIs adequados e em boas condições”, afirma. Ela destaca que o descumprimento dessas obrigações pode gerar multas, indenizações e, em casos graves, responsabilização criminal. “Se um acidente causar invalidez ou morte, a empresa pode ser condenada a pagar pensões, custear despesas médicas e indenizações por danos morais”, conclui.

Saúde mental também pede atenção

A jovem Gabriella Mendes de Carvalho, 23 anos, viveu outro tipo de acidente: o emocional. Em 2022, enquanto trabalhava na copa de um hospital, desenvolveu síndrome do pânico devido à pressão constante e à sobrecarga de tarefas. “Tive uma crise forte no trabalho e precisei ser afastada por meses. O pior foi sentir que não havia acolhimento por parte da empresa”, relata. Segundo Gabriella, faltavam diálogos e ações práticas de prevenção da exaustão emocional. “Cuidar da mente é tão importante quanto cuidar do corpo.”

Programas de prevenção

Para tentar reduzir esses números, o Cerest-DF intensificou as ações de educação e inspeção. Em 2024, foram realizadas mais de 230 ações de fiscalização e investigação de acidentes graves. A Secretaria de Saúde também mantém campanhas permanentes, como o Abril Verde, que incentiva a cultura de prevenção, e participa de iniciativas como o Programa Trabalho Seguro (Getrin 10) do TRT-10. Além disso, o projeto Juntos Pela Vida, em parceria com associações de motofretistas, promove palestras e campanhas focadas na segurança no trânsito.

O advogado trabalhista Rafael Medeiros, especialista em causas acidentárias, ressalta que “os números crescentes mostram que o controle governamental ainda não é suficiente. A segurança deve ser prioridade para empregadores, trabalhadores e órgãos fiscalizadores. Só com essa união será possível reduzir os índices e proteger vidas”, explica.

Ele também ressalta que as empresas têm a obrigação legal de garantir um ambiente seguro, fornecer EPIs, realizar treinamentos e implementar programas como o PCMSO e o PGR. “Se a empresa falhar nestas obrigações e ocorrer um acidente, ela poderá ser responsabilizada judicialmente, com indenizações por danos morais, materiais e até pensão vitalícia para o trabalhador ou seus dependentes.”

O avanço dos acidentes de trabalho no Distrito Federal revela não apenas falhas na prevenção, mas uma realidade que exige respostas rápidas e coordenadas entre empresas, governo e sociedade. Os números mostram um cenário que não pode ser ignorado: milhares de trabalhadores seguem expostos a riscos que poderiam ser evitados com medidas simples, como treinamentos, uso adequado de equipamentos de proteção e uma cultura organizacional voltada para a segurança.

As histórias de Isailton e Gabriella dão rosto às estatísticas e reforçam que os impactos vão muito além das lesões físicas, atingindo também a saúde emocional e a renda das famílias. Se nada for feito, a tendência é que os números continuem crescendo, agravando um problema que já custa caro ao sistema público de saúde e à economia.

Por Painel da Cidadania

Fonte Jornal de Brasília

Foto: Agência Brasília

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