Sete mil passos por dia podem reduzir risco de morte em até 47%

Novas pesquisas desafiam a ideia de que o pedômetro precisa chegar a 10 mil para obter os benefícios da caminhada. Pequenas adições no percurso já são válidas para prevenir problemas cardiovasculares, como infarto e AVC

3

Manpo-kei é uma palavra japonesa que significa “medidor de 10 mil passos”. Do tamanho de um chaveiro, um dispositivo que leva esse nome foi criado em 1965 por uma companhia de Tóquio, a Yamasa, na esteira dos Jogos Olímpicos de Verão, sediados pelo país asiático no ano anterior. O pedômetro analógico rapidamente se popularizou e ajudou a disseminar a informação de que essa é a medida ideal de caminhada diária para se manter saudável. O número, porém, tem sido desafiado por novos estudos, que mostram benefícios significativos com menos esforço. 

Seis décadas de pesquisa sugerem que aumentar o percurso em relação ao habitual, mesmo que em quantidades mais modestas, reduz riscos de doenças cardiovasculares e outros males crônicos. Um estudo recém-publicado no Jornal Europeu de Cardiologia Preventiva, por exemplo, mostrou que, comparado a 2,3 mil passos diários, um acréscimo de 1 mil está associado a 17% menos chance de evento cardíaco grave — redução de 22% de falência cardíaca; 9% de ataque cardíaco, e 24% de derrame em pacientes hipertensos. 

A mesma análise descobriu que pessoas com pressão arterial adequada também são beneficiadas quando acrescentam 1 mil passos à média de 2,3 mil. Nesse caso, houve 20,2% menos probabilidade de evento cardíaco grave, sendo a redução de 23,2% de falência cardíaca; 17,9% de infarto; e 24,6% de derrame. O estudo avaliou dados de 72 mil pessoas, do BioBank, banco de informações médicas do Reino Unido. 

Mortalidade

Dados semelhantes foram obtidos por um artigo publicado no fim de julho na revista The Lancet Public Health. Nesse caso, ao fazer a revisão de 31 pesquisas com dados de mais de 160 mil adultos, os investigadores da Universidade de Sydney, na Austrália, observaram que caminhar cerca de 7 mil passos por dia está associado à redução de risco de diversos problemas de saúde, incluindo mortalidade por todas as causas (47%).

A pesquisa encontrou ainda uma chance menor de doenças cardiovasculares (27%), câncer (6%), diabetes 2 (14%), demência (38%), depressão (22%) e quedas (28%). Mesmo percursos mais curtos foram benéficos: 4 mil passos por dia, comparados a 2 mil (atividade considerada muito baixa) também diminuíram o risco de todos os desfechos avaliados. “Isso mostra que, mesmo em pequenas quantidades, a atividade física já é benéfica. Para quem é sedentário, começar com atividades simples, como a caminhada, é um incentivo”, acredita Élcio Pires Junior, coordenador de cirurgia cardiovascular nos hospitais da Rede D’Or. 

O cirurgião cardíaco observa que metas de atividade física devem levar em consideração o perfil de cada pessoa. “Esse tipo de pesquisa demonstra que devemos colocar a atividade física dentro da realidade física e socioeconômica de cada um”, diz. Mesmo pacientes com limitações, como insuficiência cardíaca, podem ser beneficiados, com orientação médica. “O paciente pode recuperar sua função cardíaca e deve fazer atividades dentro das suas limitações. Ele consegue fazer isso e ter uma vida o mais próximo do normal possível”, destaca Pires Junior, que também é membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular e da The Society of Thoracic Surgeons dos Estados Unidos. 

Fisiologia

A professora do curso de educação física do Ceub Leandra Batista diz que os benefícios da caminhada diária são explicados por adaptações fisiológicas que impactam positivamente os sistemas cardiovascular, metabólico, neuromuscular e psicológico. Por exemplo, o aumento gradual da atividade aeróbica fortalece o músculo do coração, resultando na maior eficiência do bombeamento sanguíneo. “Como consequência, há melhora na pressão arterial e na oxigenação tecidual, diminuindo o risco de doenças cardiovasculares, como aterosclerose”, afirma. 

No metabolismo, o exercício aumenta a sensibilidade à insulina, promove o controle glicêmico e ajuda a regular os níveis de colesterol. Ao mesmo tempo, a contração muscular repetitiva durante a caminhada fortalece as fibras musculares, um impacto que, entre outras coisas, estimula a remodelação óssea e reduz o risco de osteoporose. Para o cérebro e a mente, a caminhada estimula a liberação de neurotransmissores que modulam o humor e melhora a circulação cerebral, reduzindo processos inflamatórios, com menos probabilidade de desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer. 

Ferramenta

“Essas adaptações demonstram que a caminhada diária é uma excelente ferramenta para a promoção da saúde integral, atuando em múltiplos sistemas fisiológicos de forma preventiva e terapêutica”, destaca Leandra Batista. “Esses efeitos são consistentes com o que a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece como benefícios da atividade física regular, como a redução do risco de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, alguns tipos de câncer, depressão e declínio cognitivo.”

Para Felipe Kutianski, professor de educação física e especialista em fisiologia do exercício, mais importante do que o número de passos é evitar períodos longos de inatividade. Ele afirma que dividir a movimentação ao longo do dia, como caminhar por 20 minutos quatro vezes ao dia, pode garantir os principais ganhos fisiológicos da atividade. “Não se trata de perfeição e, sim, de constância. Nosso corpo não foi feito para ficar parado. Pequenos blocos de movimento espalhados ao longo do dia já somam impacto real na saúde e no bem-estar”, destaca.

Três perguntas para Leandra Batista, professora de Educação Física do Ceub

Leandra Batista, professora de educação física do Ceub

Estimular as pessoas a caminhar pode ser uma estratégia mais eficaz de saúde pública do que campanhas complexas? 

Sim. Caminhar mais no dia a dia é uma estratégia simples, eficaz e acessível, muitas vezes mais viável do que intervenções estruturadas. Um estudo publicado na revista The Lancet mostrou que, a partir de 4 mil passos/dia, já há benefícios; com 7 mil passos/dia, os ganhos são significativos (até 47% de redução no risco de morte por todas as causas). A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que qualquer movimento conta e recomenda aumentar o nível de atividade, mesmo que não se atinja o mínimo recomendado de 150 minutos/semana de atividade moderada. Passos diários se tornam uma métrica clara e prática para o público geral, especialmente porque nem todas as pessoas têm condições de frequentar academias ou receber acompanhamentos especializados. 

As diretrizes, sejam elas medidas em passos ou minutos de atividade por semana, devem ser ajustadas por faixa etária?

Ajustar as recomendações por faixa etária é essencial para otimizar os benefícios da caminhada, considerando as diferenças fisiológicas inerentes ao envelhecimento. Enquanto adultos jovens podem precisar de 8 mil a 10 mil passos/dia para melhores resultados, idosos já apresentam ganhos significativos com 6 mil a 7 mil passos, reduzindo o risco de doenças crônicas e quedas com menor volume de atividade. Isso é reforçado no estudo, que mostra que adultos mais jovens precisam de mais passos para obter os mesmos benefícios que os idosos, por exemplo, que apresentaram ganhos mais rápidos com menos passos. A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e a OMS recomendam pelo menos 150 a 300 minutos de atividade aeróbica moderada a vigorosa por semana, mas não determinam exatamente quantos passos a pessoa deve dar. 

Os smartwatches e celulares hoje oferecem medições confiáveis para monitorar

os passos?

Sim, com ressalvas, pois os acelerômetros são mais precisos, tanto que são utilizados em estudos científicos. Existem muitos smartwatches e celulares que, apesar de serem suficientemente confiáveis para uso pessoal, podem apresentar variações dependendo do modelo, uso e localização no corpo. A OMS incentiva o uso de tecnologias para monitoramento da atividade física, desde que não substituam a orientação profissional e sejam usadas como ferramentas de motivação e conscientização. (PO) 

Constância é mais importante que rapidez

Segundo os pesquisadores que estudam a associação de passos diários e redução de doenças crônicas, ainda é preciso investigar mais o impacto da cadência da caminhada na saúde. No estudo com dados do BioBank britânico, publicado no Jornal Europeu de Cardiologia Preventiva, os cientistas encontraram uma relação benéfica entre 80 passos por minuto e risco reduzido de eventos cardiovasculares. Porém, os autores da revisão de 31 artigos divulgada na The Lancet Public Health afirmam que as conclusões variam bastante, o que impossibilita uma diretriz sobre a velocidade do andar.  

Caminhar rápido gera mais estresse no metabolismo, gerando mais adaptação do organismo, ou seja, condicionamento, segundo Lorena Cruz Resende, professora do curso de educação física da Faculdade Anhanguera de Brasília. “Por outro lado, o tempo sob atividade no dia a dia também é relevante, então não é preciso ter pressa o tempo todo, é mais importante ter consistência”, aconselha. 

A profissional lembra que a contração muscular produz diversas proteínas com efeitos benéficos para todo o organismo — incluindo o cérebro —, que podem persistir durante vários dias. “A constância dessa prática leva o corpo a colher seus benefícios diariamente, inclusive, no dia em que a prática do exercício não for possível”, diz. “Além disso, o volume e qualidade dos músculos e a densidade dos ossos são consequências de longo prazo. É preciso assentar os tijolos no dia a dia para colher os efeitos lá na frente.” 

Embora a caminhada seja um exercício benéfico, inclusive, para idosos e pessoas em reabilitação, Lorena Cruz Resende recomenda a adição de treinos de força e resistência muscular aos passos diários. “A força também está diretamente associada à saúde cardiovascular e à prevenção de doenças neurodegenerativas. Quem é mais forte vive mais, e caminha melhor”, ensina. 

Individualização

O cardiologista Élcio Pires Junior, coordenador de cirurgia cardiovascular nos hospitais da Rede D’Or, lembra que especialmente pacientes de doenças cardiovasculares precisam receber atenção individualizada na prescrição de atividades físicas, mesmo que optem apenas pela caminhada. “Pacientes com fração de gestão abaixo de 55%, ou seja, o quanto de sangue do corpo que o coração consegue ejetar e distribuir, tendem a ter nas atividades físicas mais dificuldades e sintomas”, diz. O mais comum é sentirem falta de ar e cansaço.

“Esse paciente será aquele que eu vou liberar para fazer atividade física, mas dentro do que ele consegue”, ressalta Pires Junior. “Ele vai fazer uma atividade física conforme as possibilidades que ele tem. O treino é extremamente individualizado, porém, é possível fazê-lo dentro da realidade de cada um.” (PO)

Por Painel da Cidadania

Fonte Correio Braziliense      

Foto: FreePic/Divulgação

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui