Saúde mental: bariátrica oferece menos riscos do que canetas emagrecedoras

O emagrecimento extremo tem impactos na saúde mental e pode aumentar ou reduzir sintomas como depressão e ansiedade. Pesquisadores defendem que o perfil do paciente seja considerado ao escolher a abordagem de perda de peso

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Pode parecer um paradoxo: o paciente sofre durante boa parte da vida com o excesso de peso, mas, quando consegue eliminá-lo, se sente ansioso, deprimido e, em alguns casos, acaba recorrendo a adições, como álcool. Porém, desde a década de 1990, quando a cirurgia bariátrica, desenvolvida 30 anos antes, tornou-se menos invasiva e mais segura, estudos revelam os impactos — nem sempre positivos — da perda de peso extrema na saúde mental. 

Agora, pesquisadores também investigam os efeitos comportamentais e psiquiátricos do emagrecimento sustentado por medicamentos análogos ao hormônio GLP-1, as famosas canetas de injeção semanal. Os primeiros resultados sugerem que eles podem ser diferentes dos promovidos pela cirurgia. Por isso, especialistas em saúde mental defendem que os impactos do tipo de tratamento sejam considerados ao se optar pela abordagem mais adequada para cada paciente. 

Um estudo apresentado no congresso deste ano da Sociedade Norte-Americana de Cirurgia Metabólica e Bariátrica (ASMBS) em Washington constatou que pessoas submetidas à cirurgia têm menor probabilidade de desenvolver transtornos psiquiátricos em comparação às usuárias das injeções semanais de semaglutida, liraglutida e dulaglutida. Os pesquisadores, da Universidade de Tulane, acompanharam, por até cinco anos, dados de 67,2 mil pessoas — metade delas se submeteu à bariátrica, e o restante recorreu às drogas que agem semelhantes ao GLP-1. 

Triagem

Segundo Shauna Levy, pesquisadora que liderou o estudo, o risco de transtorno de ansiedade e por uso de substância foi 18% e 17% menor, respectivamente, nos pacientes bariátricos. “Os dados corroboram a inclusão de triagem psiquiátrica e apoio em programas de obesidade, tanto cirúrgicos quanto clínicos, para reduzir o potencial impacto na saúde mental após o tratamento”, alega Levy. Ela ressalta, porém, a necessidade de aprofundamento nas investigações: “Mais pesquisas são necessárias para determinar por que o impacto psicológico é diferente entre as modalidades de tratamento”, diz.

No caso da psicóloga Daniella Persiano Queiroz, que passou pela bariátrica há três anos, a impossibilidade de comer a abalou no pós-operatório. “Você não sente fome, você não sente dor. Mas o psicológico quer comida o todo o tempo, mesmo não estando com fome. Então, essa é uma parte difícil”, confessa Daniella, 42 anos, que emagreceu 50kg e diz estar muito feliz com o resultado (leia depoimento). 

Mecanismos

O psiquiatra Marcel Fúlvio Padula Lamas, coordenador de psiquiatria do Hospital Albert Sabin, diz que uma série de fatores ajudam a explicar as disparidades. Por exemplo, os análogos do GLP-1 agem diretamente com receptores desse hormônio no cérebro, e a interação modula o apetite, a comunicação entre os neurônios e os circuitos afetivos. “Os efeitos podem ser benéficos, como neuroproteção e melhora cognitiva”, afirma. Há estudos preliminares, inclusive, sugerindo que a classe de medicamentos pode retardar o avanço de demências como o Alzheimer. “Mas, em subgrupos, também pode precipitar alterações do humor”, destaca. 

A ação dos análogos do GLP-1 e da cirurgia bariátrica também difere na redução da inflamação metabólica, com potencial impacto em sintomas depressivos, segundo Lamas. “A cirurgia muda o microbioma intestinal mais intensamente, o que pode modular os neurotransmissores e o comportamento; esse efeito não é idêntico ao causado somente pelo fármaco”, exemplifica. Por sua vez, as carências nutricionais pós-cirúrgicas, especialmente de vitamina B12 e ferro, podem causar manifestações psiquiátricas negativas, como a depressão. Para o psiquiatra, são necessários mais estudos sobre o impacto do GLP-1 na saúde mental porque, atualmente, os resultados são heterogêneos. 

No ano passado, por exemplo, um estudo da Universidade Médica Chung Shan, em Taiwan, publicado na revista Scientific Reports, detectou um aumento de 98% no risco de distúrbios psiquiátricos em usuários dos análogos do GLP-1, comparados ao grupo placebo. Por outro lado, uma meta-análise da Universidade de Florença com 84,7 mil pacientes e controles, não encontrou qualquer diferença na saúde mental de quem usou ou não as “canetas emagrecedoras”. “Ainda é muito cedo para saber quem vai se beneficiar desse tratamento. Tem paciente que se sente bem, outros se sentem mal; tem gente que fica depressiva e ansiosa, outras ficam ótimas. Precisamos de mais tempo para observar esses impactos ao longo do tempo”, defende Fábio Aurélio Leite, psiquiatra do Hospital Santa Lúcia Norte, em Brasília, e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria. 

Acompanhamento psicológico é fundamental

Ao se considerar os impactos da perda de peso na saúde mental, especialistas destacam o caráter multifatorial da obesidade, doença crônica que envolve também causas psicológicas. “A obesidade pode levar a alterações psicológicas e o psicológico pode levar à obesidade”, define a psicóloga Rejane Sbrissa, especialista em transtornos alimentares. O emagrecimento excessivo, seja por cirurgia ou medicamentos, já é um fator de risco na saúde mental. “Os impactos podem ser positivos ou negativos. Os positivos vindos da melhora da depressão e da ansiedade. Mas esses mesmos efeitos podem agravar as duas condições: a grande restrição alimentar, a vontade de comer certos alimentos e não conseguir, o medo do reganho de peso”, enumera. Por isso, Sbrissa reforça a necessidade de acompanhamento psicológico e, se necessário, psiquiátrico. 

Álcool 

Uma preocupação é com o abuso de substâncias, algo já bem relatado em pacientes bariátricos. “Alterações fisiológicas contribuem para o aumento do risco de adições; no caso do álcool, pode chegar a 25%”, destaca Rejane Sbrissa. Segundo a psicóloga, há dois mecanismos envolvidos: a alteração gastrointestinal potencializa a absorção do álcool, aumentando a sensibilidade. “O outro se dá por transferência de compulsão: ou seja, a dependência alimentar que levou à obesidade se dá, agora, de outras formas. Muda-se o objeto da compulsão, mas não o comportamento mental instalado.”

Em relação ao álcool, a transferência não foi observada em estudos que avaliam os impactos dos medicamentos GLP-1 na saúde mental. “A cirurgia provoca mudanças anatômicas, hormonais e de absorção; já as famosas medicações para o tratamento da obesidade em forma de canetas agem farmacologicamente em receptores no intestino e no sistema nervoso central, modulando circuitos de recompensa e inflamação — sem alterar a farmacocinética do álcool. Isso pode explicar por que parte dos pacientes em GLP-1 relata menos fissura, inclusive por álcool”, explica Andrea Levy, psicóloga e cofundadora da organização não-governamental (ONG) Obesidade Brasil. 

Helena Moura, professora da Universidade de Brasília (UnB) e psiquiatra da Apuí Saúde Mental, lembra que alguns estudos recentes, inclusive, sugerem que as drogas GLP-1 podem ajudar a reduzir o consumo de álcool e outras substâncias, como cocaína e maconha. “As evidências são tranquilizadoras, porém, o monitoramento clínico é prudente, sobretudo nos primeiros meses. Não podemos nos esquecer que a bariátrica é realizada há várias décadas, e com isso, conhecemos melhor os seus efeitos a curto e longo prazo em comparação aos análogos do GLP-1.” (PO)

Superar os limites

“Sempre estive acima do peso, desde quando eu era pequena. Então, minha autoestima sempre foi muito baixa, principalmente na adolescência. Eu não podia fazer todas as coisas que eu queria porque o peso era uma limitação. Eu não era obesa, mas estava acima do peso, não podia me vestir igual às minhas amigas. Além disso, os padrões eram outros nos anos 1990. 

Sempre tentei fazer dieta e nunca consegui. Até que um dia eu fui ao endocrinologista e comecei a tomar um remédio para emagrecer. Achei que ele estava muito fraco e aí fui tomando remédios mais fortes. Cheguei a usar até anfetamina. Cheguei ao peso que queria, mas parei de tomar o remédio por conta própria e fui engordando até chegar aos 125kg. 

Um dia, o meu irmão me perguntou se eu não pensava em fazer a cirurgia bariátrica. Meu IMC estava 42, que já é obesidade mórbida. O médico falou para mim que emagrecer era um caso de urgência. Não criei muita expectativa porque achava que seria só mais uma tentativa. Fui para cirurgia triste, porque eu ia ter que parar de comer, e a comida era, para mim, uma compensação para as coisas que eu sofria. 

Mas, depois que consegui chegar ao meu peso ideal, 75kg, fiquei muito feliz. O emagrecimento só me trouxe muitas coisas boas, trouxe segurança, melhorou minha autoestima. A obesidade não é só uma questão física, tem muitas questões psicológicas ali. Depois, ao emagrecer, é tão bom você conseguir se reencontrar, superar seus limites.” 

Daniella Persiano Queiroz é psicóloga, fez cirurgia há três anos
e perdeu 50kg 

Por Painel da Cidadania

Fonte Correio Braziliense

Foto: Carlos Vieira/CB

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