Um cardápio que, ao mesmo tempo, preserva o meio ambiente e a humanidade. Esse é o princípio da dieta de saúde planetária, criada em 2019 pela Comissão EAT- Lancet, da revista científica The Lancet. A ideia é enfrentar dois dos maiores desafios contemporâneos: a epidemia global de doenças crônicas e a crise climática. Agora, uma pesquisa publicada na revista Science Advances mostra que pessoas que seguem de perto as recomendações têm risco significativamente menor de morte prematura e de desenvolvimento de enfermidades como câncer, diabetes e problemas cardiovasculares.
Os resultados vêm de uma análise robusta: os pesquisadores combinaram dados de dois grandes bancos de dados de saúde, o UK Biobank, do Reino Unido, e o norte-americano Nhanes. Também combinaram com resultado de 37 estudos anteriores, totalizando mais de 3 milhões de pessoas. Segundo os autores, essa é a avaliação mais abrangente já realizada sobre o impacto dessa dieta na saúde humana. “Os resultados são consistentes: quanto maior a adesão à dieta planetária, menor o risco de mortalidade geral e de morte por causas específicas, como câncer e doenças do coração”, escreveram os autores, da Universidade de Nanquim, na China.
Integrais
A dieta planetária é baseada no consumo predominante de vegetais, grãos integrais, frutas, legumes, leguminosas, nozes e sementes. Carne vermelha e produtos de origem animal não são abolidos, mas aparecem em pequenas quantidades, mais como acompanhamento do que como protagonistas do prato. O modelo também restringe alimentos ultraprocessados, ricos em açúcar, gordura saturada e sódio.
Além de trazer benefícios individuais, o plano alimentar foi concebido para reduzir os impactos ambientais da produção de comida. Segundo a Comissão EAT-Lancet, se a população global migrasse para esse padrão, seria possível diminuir em até 50% as emissões de gases de efeito estufa ligadas à alimentação, além de reduzir a pressão sobre a terra e a água.
Calorias
Segundo a nova pesquisa, além do risco menor de mortalidade por todas as causas, pessoas que seguem a dieta planetária têm menos probabilidade de sofrer de câncer (incluindo colorretal e pulmão) e estão mais protegidas contra distúrbios metabólicos, como obesidade e resistência insulínica. Curiosamente, os participantes com maior adesão ao cardápio tinham ingestão calórica até mais alta que outros grupos — mas, ainda assim, mantinham índice de massa corporal (IMC) mais baixo e melhor perfil metabólico.
De acordo com a análise dos perfis sociodemográficos, os maiores adeptos do padrão alimentar eram mulheres, mais velhas, com maior escolaridade e renda. Esses fatores, reconhecem os autores, apontam para um desafio de equidade no acesso a uma alimentação saudável. “Há uma dimensão social clara: dietas saudáveis e sustentáveis ainda são mais comuns entre grupos com mais recursos econômicos e educacionais”, escrevem. “Políticas públicas devem trabalhar para tornar essa transição acessível e viável para todos.”
Robusto
O estudo é observacional, o que significa que não prova, de forma direta, que a dieta causa a redução de mortalidade. Ainda assim, especialistas destacam que a robustez dos dados fortalece o elo. “O maior ponto forte é que os autores analisaram informações de dois bancos de dados que incluem muitos indivíduos, usando uma metodologia cuidadosa”, avalia Carmen Perez Rodrigo, especialista em medicina preventiva e saúde pública da Sociedade Espanhola de Nutrição Comunitária, que não participou do estudo.
A especialista reforça que o perfil alimentar coincide com um padrão de consumo associado a um menor impacto ambiental em termos de emissões de gases de efeito estufa. “Além disso, é consistente com o padrão de dieta mediterrânea, cujos efeitos favoráveis à saúde são apoiados por evidências científicas”, lembra. A dieta à qual Carmen Perez Rodrigo se refere já foi eleita várias vezes como uma das melhores do mundo por sociedades médicas e de nutrição. Ela é baseada no consumo de alimentos vegetais e integrais em detrimento daqueles de origem animal.
“Ambas dietas são ricas em vegetais, azeite de oliva, leguminosas, sementes e consumo moderado de proteína animal”, concorda a nutricionista Rayanne Marques, de Brasília. “A principal diferença é que a dieta planetária tem um viés mais sustentável, sugerindo limites mais restritos ao consumo de carne vermelha e priorizando a preservação ambiental, além da saúde humana”, diz. A especialista explica que, quanto aos benefícios clínicos, estudos apontam efeitos muito próximos, principalmente na prevenção de doenças metabólicas e cardiovasculares.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e agências da Organização das Nações Unidas já defendem a transição para dietas sustentáveis como parte das metas globais de saúde e meio ambiente. O novo estudo reforça esse apelo. “Estamos diante de uma oportunidade dupla: salvar vidas e reduzir o impacto da produção de alimentos sobre o planeta”, concluem os autores.
DIRETRIZ GLOBAL
A dieta da saúde planetária é uma diretriz alimentar global que enfatiza alimentos de origem vegetal, como frutas, vegetais, grãos inteiros, nozes e leguminosas, ao mesmo tempo em que limita significativamente a carne vermelha, alimentos processados e açúcares adicionados. Trata-se de um padrão alimentar flexitariano, ou seja, focado em vegetais, mas permite porções modestas de produtos de origem animal, como peixes, aves e laticínios.
Principais componentes da dieta de saúde planetária:
Frutas e vegetais: pelo menos metade da dieta deve ser composta de frutas e vegetais, idealmente 500g por dia.
Grãos integrais: uma parte substancial das calorias diárias deve vir de grãos integrais, como trigo, arroz e milho.
Proteínas vegetais: incluem nozes, sementes e leguminosas (feijões, lentilhas e ervilhas).
Gorduras: prioriza óleos vegetais insaturados e limita as gorduras saturadas, evitando as gorduras trans encontradas em óleos parcialmente hidrogenados.
Proteínas animais: o consumo é em pequenas quantidades de peixe e aves. Ocasionalmente, laticínios, com quantidades muito limitadas de carne vermelha, especialmente carnes processadas.
Açúcares adicionados e vegetais ricos em amido: limita o consumo de açúcares adicionados e vegetais ricos em amido, como batatas.
TRÊS PERGUNTAS PARA…
RAYANNE MARQUES, NUTRICIONISTA
Quais os principais mecanismos que explicam a redução do risco de doenças crônicas entre os adeptos da dieta planetária??
A dieta planetária prioriza o consumo de vegetais, frutas, grãos integrais, leguminosas, oleaginosas e fontes magras de proteína. Esse padrão alimentar reduz inflamação sistêmica, melhora o metabolismo da glicose e diminui o estresse oxidativo, fatores diretamente relacionados ao desenvolvimento de doenças crônicas como câncer, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. Além disso, a maior ingestão de fibras contribui para a saúde intestinal, que tem papel central na imunidade e no equilíbrio metabólico.
A dieta mostrou benefícios mesmo em pessoas que consumiam mais calorias. Como entender esse resultado??
Mais importante do que apenas a quantidade de calorias ingeridas é a qualidade dos alimentos. Quando a dieta é composta por alimentos integrais e nutritivos, ricos em fibras, antioxidantes e gorduras saudáveis, ela favorece processos de reparo celular, equilíbrio hormonal e metabolismo mais eficiente. Ou seja, mesmo com maior aporte energético, a composição saudável da dieta pode compensar, reduzindo fatores de risco.
Quais são os maiores desafios culturais e econômicos para que a sociedade brasileira adote uma alimentação mais próxima da dieta planetária??
Entre os desafios estão a forte presença da carne vermelha na cultura alimentar brasileira, o acesso limitado a alimentos frescos em algumas regiões e o custo mais elevado de opções saudáveis e orgânicas. Também é preciso investir em educação alimentar e políticas públicas que incentivem a produção sustentável, para que o padrão alimentar seja acessível a todas as camadas da população. (PO)
Por Painel da Cidadania
Fonte Correio Braziliense
Foto: Ed Gregory/Free Stock Photos