Durante muito tempo, ouvir de um médico que sua pressão estava “12 por 8” era sinônimo de alívio. Mas a ciência avança, os dados mudam, e com eles, os parâmetros. Hoje, segundo a mais recente Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial, até mesmo o tão reverenciado 120/80 mmHg já não é mais considerado um número neutro. Ele passou a ser classificado como pré-hipertensão, um estado intermediário que exige vigilância e, principalmente, mudanças de estilo de vida.
Para entender melhor por que isso acontece, e o que significam medições como 10/6, 11/7 ou 14/10, o Correio falou com dois especialistas em cardiologia: o cardiologista Carlos Nascimento, da Clínica Metasense, e o Marco Antonio Freitas, coordenador da emergência do Hospital DF Star, da Rede D’Or.
Com base nas diretrizes mais recentes da Sociedade Brasileira de Cardiologia, elaboramos um guia completo e prático sobre a pressão arterial, desmistificando números, esclarecendo os riscos e indicando caminhos para uma vida mais saudável.
O que é pressão arterial e como ela funciona
A pressão arterial é, literalmente, a força com que o sangue empurra as paredes das artérias enquanto circula pelo corpo. Ela é medida por dois números: o primeiro, chamado de pressão sistólica, corresponde à força no momento em que o coração se contrai para impulsionar o sangue; o segundo, a pressão diastólica, representa a pressão enquanto o coração relaxa entre os batimentos.
“É como medir a pressão de uma mangueira. Quanto mais força você faz para empurrar o sangue por um tubo estreito, maior será a pressão dentro dele”, explica o cardiologista Carlos Nascimento. O ideal é que essa força seja suficiente para nutrir os órgãos sem causar danos às estruturas vasculares. Quando está fora de equilíbrio, seja para mais ou para menos, começam os problemas.
Por que 12/8 virou sinal de atenção
A grande mudança trazida pela Diretriz Brasileira divulgada na última quinta-feira (18/9), está justamente na forma como vemos a chamada “pressão normal”. Antes considerada perfeita, a medida de 12 por 8 (ou 120/80 mmHg) agora é o ponto de corte para a pré-hipertensão, uma categoria que não representa doença, mas indica risco aumentado de evoluir para hipertensão se nenhuma medida for tomada.
Segundo o cardiologista Marco Antonio Freitas, estudos mais recentes mostraram que pessoas com pressão a partir de 12 por 8 já apresentam maior chance de desenvolver doenças cardiovasculares, como infarto e AVC, ao longo dos anos. “Esses valores não podem mais ser vistos como inofensivos. A pré-hipertensão exige ação precoce para impedir a progressão”, alerta. Isso significa repensar o estilo de vida: cortar o excesso de sal, praticar atividade física, controlar o peso, parar de fumar e reduzir o álcool.
De 10 por 6 a 18 por 11: o que cada medida revela sobre sua saúde
Os números da pressão arterial contam uma história sobre o estado do seu corpo, mesmo quando você não sente nada. Entender o que cada faixa significa pode ser a diferença entre agir a tempo ou correr riscos desnecessários.
Pressões como 10 por 6 ou 11 por 7, por exemplo, são frequentemente vistas em adultos jovens, pessoas magras e atletas. Elas são consideradas normais, desde que não estejam associadas a sintomas como tontura, visão embaçada ou desmaios. “Muita gente tem medo de estar com a pressão ‘baixa demais’, mas isso só é um problema se houver sintomas. Caso contrário, é até benéfico”, tranquiliza Nascimento.
Já o famoso 12 por 8, que antes era motivo de celebração, agora é o limite inferior da pré-hipertensão. Isso não quer dizer que a pessoa esteja doente, mas sim que deve iniciar imediatamente mudanças comportamentais. Caso as medidas não surtam efeito em até três meses, e se houver risco cardiovascular associado, pode ser necessário iniciar medicamentos.
O cenário começa a ficar mais preocupante a partir de 14 por 10. Esse número já configura Hipertensão Arterial Estágio 2, o que significa que o paciente deve iniciar tratamento medicamentoso desde o diagnóstico, além de adotar hábitos saudáveis. “Quanto mais tempo uma pressão alta se mantém sem controle, maior o dano cumulativo ao coração, cérebro e rins. É uma doença silenciosa que, quando grita, já causou estragos”, alerta Freitas.
Situações mais extremas, como 18 por 11, representam risco iminente. Essa é a chamada Hipertensão Estágio 3, e pode indicar uma urgência ou emergência hipertensiva, especialmente se estiver acompanhada de dor no peito, falta de ar, confusão mental, visão turva ou sintomas neurológicos. Nesses casos, a recomendação é buscar atendimento imediatamente.
Como aferir a pressão corretamente
Muita gente mede a pressão com aparelhos automáticos ou em farmácias, sem seguir o protocolo adequado. Isso pode levar a diagnósticos equivocados. Os especialistas são unânimes: medir bem é essencial.
Antes da medição, é necessário estar em um ambiente tranquilo, sentado há pelo menos cinco minutos, com a bexiga vazia e sem ter fumado, consumido café ou feito exercícios físicos nas últimas meia hora. O braço deve estar apoiado na altura do coração, com a palma da mão virada para cima. É ideal fazer três medições com intervalo de um minuto entre elas e considerar a média das duas últimas.
“Às vezes, a pressão no consultório está alta, mas em casa está normal. Esse é o famoso ‘Avental Branco’. O oposto também pode acontecer: pressão normal no consultório e alta em casa, a chamada ‘Hipertensão Mascarada’. Ambas exigem avaliação com exames como o MAPA de 24h”, destaca Carlos Nascimento.
Classificação atual da pressão arterial (consultório, adultos 18 anos)
- Normal: Sistólica
- Pré-hipertensão: Sistólica entre 120–139 mmHg ou Diastólica entre 80–89 mmHg
- Hipertensão Estágio 1: Sistólica entre 140–159 mmHg ou Diastólica entre 90–99 mmHg
- Estágio 2: Sistólica entre 160–179 mmHg ou Diastólica entre 100–109 mmHg
- Estágio 3: Sistólica 180 mmHg ou Diastólica 110 mmHg
Importante: sempre se considera o valor mais alto entre os dois.
Os riscos da pressão fora do ideal
A pressão alta crônica é o principal fator de risco para infarto, AVC, insuficiência cardíaca, doença renal crônica e até perda de visão. O problema é que a maioria das pessoas não sente absolutamente nada enquanto a pressão sobe silenciosamente e vai danificando os órgãos. A hipertensão é, por isso, chamada de “assassina silenciosa”.
Já a pressão baixa, por outro lado, não é perigosa em si, a não ser que venha acompanhada de sintomas. Em pessoas jovens e saudáveis, é perfeitamente aceitável ter medidas como 9/6 ou 10/6. Em idosos, porém, é preciso ter cautela, especialmente se houver quedas frequentes, desmaios ou confusão após refeições (a chamada hipotensão pós-prandial).
“Pressões muito baixas podem indicar outros problemas de saúde, como desidratação, infecções ou uso inadequado de medicamentos. Mas, isoladamente, elas não causam infarto ou AVC”, esclarece Marco Antonio Freitas.
Quando procurar a emergência?
Você deve buscar atendimento médico urgente se estiver com pressão muito elevada acompanhada de sintomas como:
- Dor no peito
- Falta de ar
- Confusão mental ou perda de consciência
- Fraqueza em um lado do corpo
- Dificuldade para falar ou compreender
- Visão turva ou dor de cabeça intensa
Esses sinais podem indicar uma crise hipertensiva com lesão de órgão-alvo, como AVC, infarto ou edema pulmonar.
Existe uma “pressão perfeita”?
A ideia de que existe um número ideal e fixo para todas as pessoas não se sustenta mais. Segundo os especialistas, o melhor valor é aquele que mantém os órgãos protegidos e não causa efeitos colaterais. Para a população em geral, a diretriz recomenda manter a pressão abaixo de 130/80 mmHg, especialmente em quem já tem diagnóstico de hipertensão.
Mas essa meta pode ser ajustada caso a pessoa seja muito idosa, frágil ou não tolere pressões tão baixas. “Hoje sabemos que a chamada ‘curva J’, onde pressões muito baixas também aumentariam o risco, não é causal. Ainda assim, os alvos devem ser individualizados”, afirma Carlos Nascimento.
Outro ponto essencial: a pressão não é constante ao longo do dia. Dormindo, ela tende a cair. Durante exercícios, pode subir bastante. “O importante é avaliar padrões e tendências, e não um número isolado”, afirma.
A hipertensão é uma doença tratável e, mais ainda, prevenível. E o cuidado começa muito antes do 14 por 10. “O 12 por 8 deixou de ser motivo de tranquilidade. Agora, é um convite à mudança”, finaliza o cardiologista Marco Antonio Freitas.
Por Painel da Cidadania
Fonte Correio Braziliense
Foto: Pixabay