Vitamina D: um marcador da mobilidade

Baixos níveis do nutriente no sangue sinalizam risco aumentado de lentidão de marcha na velhice, impactando diretamente a independência. Estudo mostra que carência está associada à maior possibilidade de quedas, hospitalização e mortalidade

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A deficiência de vitamina D pode ser um sinal precoce de perda de mobilidade e, consequentemente, de uma velhice menos independente. Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em parceria com a University College London (UCL), no Reino Unido, mostrou que idosos com baixos níveis do nutriente no sangue têm um risco 22% maior de desenvolver lentidão da marcha em seis anos de acompanhamento, em comparação a pessoas da mesma faixa etária com taxas adequadas. 

Definida como velocidade inferior a 0,8m por segundo, a lentidão da marcha é considerada um dos principais indicadores de fragilidade em idosos, uma condição associada a aumento do risco de quedas, hospitalização, dependência funcional e mortalidade. Segundo Tiago da Silva Alexandre, professor do Departamento de Gerontologia da UFSCar e autor principal da pesquisa, a vitamina D pode ser usada como marcador para identificar precocemente o risco de declínio da mobilidade.

“Como a lentidão da caminhada está associada ao maior risco de dependência funcional e desfechos adversos, o monitoramento dos níveis de vitamina D, principalmente em pessoas idosas, também deve ser priorizado nos diversos contextos clínicos e serviços de saúde”, afirma. O artigo foi publicado na revista Diabetes, Obesity and Metabolism. 

A vitamina D ganhou notoriedade nos últimos anos pelos múltiplos papéis que desempenha no organismo — do fortalecimento dos ossos e músculos à modulação do sistema imunológico e neurológico, embora esses dois últimos careçam de mais evidências científicas. Praticamente todas as células têm receptores para o nutriente, o que explica sua influência em diversos órgãos. Quando a pele é exposta ao Sol, a radiação ultravioleta estimula um precursor que, após transformações metabólicas no fígado e nos rins, converte-se na forma ativa da molécula. 

Acompanhamento

Os pesquisadores analisaram dados de 2.815 participantes do English Longitudinal Study of Ageing (Elsa), um estudo britânico que acompanha o envelhecimento populacional. Os participantes foram classificados conforme a concentração no sangue de 25-hidroxivitamina, principal forma de vitamina D circulante no organismo: suficiência (acima de 50 nmol/L), insuficiência (entre 30 e 50 nmol/L) e deficiência (abaixo de 30 nmol/L). 

Ao longo de seis anos, aqueles com deficiência tiveram risco significativamente maior de desenvolver marcha lenta, mesmo após o ajuste para fatores como idade, sexo, raça, escolaridade, tabagismo, nível de atividade física e presença de doenças crônicas, que também interferem nesse aspecto. Não houve, porém, relação estatística entre insuficiência e lentidão, indicando que apenas níveis muito baixos parecem aumentar o risco.

Os mecanismos que explicam a associação envolvem tanto o sistema musculoesquelético quanto o sistema nervoso. A vitamina D atua nas células musculares regulando a entrada e saída de cálcio, processo essencial para a contração muscular. Quando há deficiência, esse fluxo é prejudicado e compromete a força e a eficiência dos músculos. Além disso, a falta do nutriente reduz a síntese de proteínas musculares, dificultando ainda mais a formação de massa magra em idosos — um problema que se soma ao declínio natural da força com a idade.

Segundo a professora Mariane Marques Luiz, que conduziu a pesquisa durante seu doutorado na UFSCar, a falta de vitamina D também tem impacto neurológico, interferindo na proteção dos neurônios e na velocidade da transmissão dos impulsos nervosos. “Além da questão muscular, a carência de vitamina D tem repercussão no sistema nervoso central e periférico, comprometendo a marcha pela lentidão na transmissão dos estímulos neuronais para a caminhada”, explica.

Exposição

Com o envelhecimento, a própria capacidade de síntese de vitamina D diminui. O geriatra Saulo Borges, da Clínica Bella Ricca Saúde e Bem-estar, explica que a pele mais fina reduz a produção do precursor do nutriente, e o número de receptores da molécula nos tecidos também tende a cair. “Outro ponto é que, muitas vezes, o idoso já tem uma deficiência na funcionalidade e tende a se expor menos ao Sol. Mas temos condições patológicas decorrentes do envelhecimento, que podem gerar processos de desabsorção de nutriente, aumentando o risco de deficiência”, esclarece. 

Os autores do artigo observam, porém, que, apesar de a vitamina D ser um fator de risco importante, a lentidão da marcha é multifatorial. O envelhecimento está associado a alterações musculares, neurológicas e metabólicas que interagem entre si, e o declínio da mobilidade dificilmente decorre de uma única causa. Outro alerta que fazem é sobre o cuidado com a suplementação excessiva, que pode ser tóxica, segundo Tiago Alexandre. 

“Acho importante frisar que as evidências científicas atuais nos mostram que a suplementação é benéfica para quem tem deficiência documentada”, reforça Polianna Souza, médica geriatra e cofundadora do canal Longidade. “Isso é, não adianta a gente sair por aí suplementando indiscriminadamente todo mundo. O que os trabalhos nos mostram é que quem não tem deficiência não tem benefício adicional da suplementação da vitamina D. Então, essa é uma coisa que precisa ficar bem clara.”

Prescrição

A nutricionista Maria Catarine Camargo, especialista em nutrição esportiva, lembra que somente um profissional pode indicar a suplementação. “A prescrição — se a pessoa vai precisar tomar uma dose mais intensa ou se fará consumo diário, por exemplo — depende muito do nível de deficiência identificado e também de quem vai receber o suplemento”, diz. “Se houver uma dificuldade absortiva, o profissional pode escolher vias diferentes de suplementação e também dosagens diversas.”

Para os autores do estudo e especialistas, uma das implicações do trabalho é a importância do rastreamento dos níveis de vitamina D em idosos em risco. “Sem dúvida nenhuma, pacientes mais idosos, que vivem institucionalizados, aqueles mais restritos à casa, com distúrbios de mobilidade e que já tem distúrbios de absorção instalados deveriam ser rastreado”, acredita o geriatra Saulo Borges. “Na prática clínica, já fazemos isso, mas esse rastreamento poderia ser incentivado por meio da promoção de políticas públicas.”

Por Painel da Cidadania
Fonte Correio Braziliense
Foto: PXHere/Divulgação

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