No intervalo das aulas de terça-feira, o estudante de geografia Edvaldo Oliveira aproveita para acompanhar as notícias do dia e bater um papo com os colegas, no centro acadêmico do curso. A rotina é dividida entre a universidade e o trabalho como servidor público federal. Como está no primeiro semestre, o momento ainda é de adaptação. Isso porque, além de conciliar horários, ele está se habituando às plataformas digitais e conhecendo o campus. Aos 62 anos, Edvaldo é ingressante do Vestibular 60 da Universidade de Brasília (UnB). Assim como ele, mais de 250 estudantes aprovados no processo seletivo mostram que idade é fichinha perto do desejo de aprender e se reinventar.
“Na UnB, o pessoal é muito receptivo, então, sempre me senti acolhido. Fiz colegas que me auxiliaram, por exemplo, no momento de efetivar a matrícula na plataforma digital, porque tive dificuldade. Também me orientaram a conhecer as dependências do campus e, agora, me incentivam a participar de projetos de extensão”, conta o estudante.
A opção pelo curso de geografia partiu da afinidade com as ciências humanas. “No momento, a disciplina de geologia geral tem sido a minha preferida”, cita. De segunda a sexta-feira, é o filho — também formado pela UnB — que o leva para as aulas. “Meus filhos são meus maiores incentivadores. Dizem que sentem muito orgulho de mim”, relata, emocionado.
Natural do Maranhão, Edvaldo tentou ingressar no curso de economia há 30 anos, mas não conseguiu concluir a graduação. “Precisei equilibrar os estudos com o trabalho e o cuidado com os filhos. Era puxado. Sempre procurei ser perfeccionista com tudo que me propus a fazer, então, como não estava conseguindo dar o meu melhor no curso, desisti”, recorda.
Dessa vez, a oportunidade de voltar a estudar, segundo ele, não poderia vir em hora melhor. “Já não há aquele desespero para formar e garantir um emprego. Claro que tentarei não fugir do fluxo, mas pretendo me formar com calma”, diz.
Ingressar em um curso superior é, para muitas pessoas idosas, a realização de um sonho antigo e representa novas oportunidades de trabalho e renda. E é no meio desse caminho que está a brasiliense Norma Aparecida de Almeida Sérgio, 62. Ela começou, em março, o curso de letras com habilitação em português como segunda língua (PDSL) e relata que continua se adaptando à nova experiência. “Fiquei sem estudar por 45 anos, porque primeiro fui trabalhar e ter filho. É uma dificuldade grande sustentar uma família. Fiz o vestibular em dezembro, mas nem acreditava que passaria. Fiquei muito emocionada”, conta a brasiliense.
Norma reconhece que a caminhada como universitária será longa e cheia de desafios, mas está determinada a continuar. “Não será fácil. Porém, não está sendo impossível. Meta, foco, perseverança e fé”, cita.
O bom filho à casa torna
Com livros de cálculo na mochila e a caminho do restaurante universitário, Victor Fidelis da Silva, 69, parecia seguir a mesma rotina de quase 50 anos atrás. O estudante de matemática, que se formou em engenharia elétrica em 1979, voltou à UnB há três semestres motivado pela filha, aluna de administração na mesma universidade. “Ela (a filha) estava com dificuldades nas disciplinas de cálculo e fui ensiná-la, porque tive uma boa base na primeira graduação. Ensinar me motivou a aprender ainda mais. Então, decidi me inscrever no vestibular”, conta.
Entre os 45 candidatos que disputavam as cinco vagas para o curso, Victor conquistou o quarto lugar. E, no decorrer dos últimos semestres, as comparações com a UnB dos anos 1970 foram inevitáveis. “Na primeira graduação, 90% dos meus colegas de turma moravam no Plano Piloto, tinham carro e almoçavam em casa. Agora, percebo que o cenário mudou. Há estudantes de todos os cantos do DF e até de fora. Houve uma maior democratização do ensino e isso é fantástico”, avalia.
A troca de experiências com os colegas mais jovens é, para o estudante, “valiosa”. “Acho gozado que hoje ninguém liga para como venho vestido à universidade, por exemplo. Na minha primeira graduação, o padrão era andar com calça esporte fino. Agora, só não venho de chinelo para não sujar os pés.”
Mesmo sendo estudante de matemática, Victor não perde a oportunidade de fazer disciplinas de outros cursos. Neste semestre, está matriculado em psicologia da personalidade. “Acho incrível a possibilidade que temos de cursar as disciplinas que queremos, independentemente de qual seja nossa graduação. Isso propicia uma riqueza de conhecimento espetacular”, exulta.
Por Painel da Cidadania
Fonte Correio Braziliense
Foto: Letícia Mouhamad/CB/DA Press