Distúrbio do tecido adiposo que, segundo estudos globais, afeta uma em cada nove mulheres, o lipedema ainda é uma condição pouco conhecida e frequentemente confundida com obesidade, o que limita o arsenal terapêutico. Uma revisão de artigos científicos produzidos desde 2018 publicada na revista Current Obesity Report soma-se a outras evidências de que uma dieta com baixo consumo de carboidratos contribui para reduzir a inflamação crônica, caracterizada pelo acúmulo anormal de gordura especialmente nas pernas e nos braços.
O lipedema, que costuma causar dor e hematomas, é resistente a dietas convencionais, argumentam os autores do estudo, da Universidade Medipol de Ancara, na Turquia. Caracterizada pelo teor elevado de gorduras saudáveis, baixo consumo de carboidratos e ingestão moderada de proteínas, a chamada dieta cetogênica, segundo os pesquisadores, é uma das estratégias nutricionais mais promissoras no manejo da doença.
Segundo os artigos consultados por Nevin Sanlier e Serra Baltaci, o padrão alimentar pode reduzir inflamações e estresse oxidativo, fatores ligados à progressão da doença; diminuir dor e circunferência das pernas, aliviando sintomas físicos; ajudar na perda de peso e na gordura corporal em pacientes que não responderam a outras dietas e melhorar a sensibilidade à insulina.
“Em alguns casos, pacientes relataram perda de até 40kg em pouco mais de um ano, além de melhora significativa na qualidade de vida”, relataram Sanlier e Baltaci. “Revisões sistemáticas também mostraram reduções médias de quase 8kg em peso corporal e 4,2 pontos no índice de massa corporal (IMC) em cerca de 16 semanas de dieta.”
Cetose
O médico Matheus Azevedo, especialista em nutrologia e longevidade, explica que, ao restringir os carboidratos, o organismo entra em um processo chamado cetose nutricional, que aumenta a oxidação das gorduras. “Também tende a diminuir o armazenamento de gordura, inclusive no tecido subcutâneo das pernas, região bastante comprometida no lipedema”, diz. Além disso, ele cita estudos que demonstraram como o mecanismo reduz a produção de substâncias que levam à inflamação, as citocinas pró-inflamatórias.
“Com menor ingestão de carboidratos, os níveis basais de insulina também caem e há melhora no metabolismo lipídico. Esse ajuste metabólico pode contribuir para reduzir o acúmulo anômalo de gordura característico do lipedema”, descreve o nutrólogo. Contudo, ele lembra que dietas muito restritivas, como a VLCKD (very low calorie ketogenic diet, ou dieta cetogênica de baixíssimas calorias) não devem ser mantidos por longos períodos. Além disso, em pacientes que usam uma classe de medicamentos para diabetes, os inibidores de SGLT2, devem evitar qualquer versão do regime.
Os autores do artigo publicado na Current Obesity Report afirmam que uma escolha interessante é optar por um padrão alimentar mais próximo do mediterrâneo, que prioriza azeite de oliva, peixes, oleaginosas e vegetais. “A dieta mediterrânea é amplamente recomendada em diretrizes clínicas pelos efeitos anti-inflamatórios e cardioprotetores. Quando adaptada a um perfil ‘mediterrâneo-cetogênico’, ou seja, mantendo azeite, peixes, oleaginosas e verduras como base, mas com menor consumo de carboidratos, estudos pilotos e séries clínicas mostraram benefícios como perda de peso e gordura corporal, melhora da dor e até da aparência da pele nas pernas”, reforça Matheus Azevedo, lembrando que a adoção de protocolo deve ser acompanhada por um profissional de saúde.
Mudança
A cirurgiã vascular Aline Lamaita, membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, também ressalta que o lipedema é uma condição multifatorial, cujo tratamento envolve uma mudança complexa de estilo de vida, além da alimentação. “Temos que considerar que o padrão alimentar para o lipedema é muito mais qualitativo do que quantitativo. Uma dieta low carb (com redução de carboidrato) pode restringir o consumo de fibras, com piora do intestino. E o intestino é um dos fatores que estão relacionados com o lipedema”, diz, citando a disbiose, quando há alteração na composição da microbiota intestinal.
“Há, realmente, muitos fatores envolvidos na fisiopatologia da doença, desde disfunções nas organelas produtoras de energia dentro da célula, as mitocôndrias, até a disbiose e o sedentarismo”, argumenta Aline Lamaita. “Devemos ter muito cuidado com o corte de macronutrientes na dieta, porque podemos restringir alguns nutrientes importantes”, diz a médica.
Para Herik Oliveira, cirurgião vascular pela Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, é preciso tratar a doença como é, ou seja, atacando várias frentes. “Lembrando que o tratamento clínico é fundamental em todas as etapas do paciente com lipedema, por se tratar de uma inflamação crônica”, diz.
Três perguntas para
Herik Oliveira, cirurgião vascular pela Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular
Como a dieta cetogênica age no organismo?
A dieta cetogênica é baseada em alta ingestão de gorduras saudáveis, baixo consumo de carboidratos e quantidades adequadas de proteína. Existem variações, mas o objetivo é produzir um estado de cetose, quando o corpo vai utilizar primeiramente a glicose como fonte de energia. Essa glicose vem principalmente de carboidratos. Como, na cetogênica, há menor ingestão de carboidrato, o corpo passa a utilizar as gorduras como fonte energética.
De que forma a dieta cetogênica pode influenciar a saúde dos vasos e do sistema linfático de pacientes com lipedema?
Primeiro, porque o baixo consumo de carboidratos característico da dieta cetogênica diminui o pico de insulina, reduzindo o processo inflamatório no corpo, incluindo o interior dos vasos sanguíneos. Com menor inflamação, você vai ter menos dor e menos sensibilidade nas pernas. Segundo, o baixo consumo de carboidrato ajuda a reter menos água e menos sódio, diminui a pressão no interior dos vasos sanguíneos e, consequentemente, o inchaço das pernas. Terceiro, o aumento do consumo das gorduras saudáveis é essencial para o funcionamento das células e isso ajuda a proteger a parede dos vasos sanguíneos. Por último, o menor processo inflamatório e a redução de volume no interior dos vasos linfáticos ajuda na drenagem linfática, reduzindo o volume e o inchaço nas pernas.
Como é o tratamento do lipedema?
É multidisciplinar, envolve nutricionista que vai fazer dieta; médico, como nutrólogo; endócrino, para controle hormonal e peso, e cirurgião vascular, para reduzir dor e inchaço nas pernas. O fisioterapeuta também ajuda com técnicas como drenagem linfática e plataforma vibratória. Já o educador físico prescreverá o exercício correto, que deve ser de baixa intensidade e pouco impacto. Em casos avançados, o cirurgião plástico pode ser indicado. Há medicações que auxiliam os médicos para reduzir esse processo inflamatório, além do uso de tecnologias não invasivas. O tratamento clínico é fundamental em todas as etapas do paciente com lipedema, por se tratar de uma inflamação crônica. (Paloma Oliveto)
Sinais de alerta
Veja alguns sinais do lipedema, doença crônica inflamatória que afeta cerca de 10% da população, especialmente mulheres
Acúmulo de gordura desproporcional: A doença afeta principalmente áreas como coxas, culotes, quadris e pernas, mas, eventualmente, pode atingir também os braços. Pessoas com sobrepeso devem ficar especialmente atentas ao lipedema, pois pode ser difícil notar o aumento do tamanho dos membros inferiores.
Gordura difícil de ser eliminada: É muito comum que o lipedema seja confundido com a obesidade, o que causa grande frustração nas pacientes quando as estratégias comumente empregadas nesses casos não funcionam.
Dor ao toque: A dor ao toque é um dos principais sinais do lipedema. Também há aumento da frequência de hematomas espontâneos e maior tendência ao acúmulo de líquido.
Presença de nódulos: O lipedema pode causar nódulos visíveis na pele, conferindo à região afetada um aspecto semelhante à celulite.
Fatores de risco: a doença tem componentes genéticos, mas também há uma forte correlação com distúrbios hormonais, com picos na adolescência, na gestação e na menopausa, além dos períodos em que a mulher toma anticoncepcionais.
Fonte: Aline Lamaita, membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV)
Por Painel da Cidadania
Fonte Correio Braziliense
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