Estudo atesta eficácia de colírio contra a vista cansada

Estudo argentino com 766 pessoas atesta a eficácia e a segurança de um colírio para pacientes de presbiopia — condição que prejudica a visão de perto — que não querem usar óculos de leitura

5

Aos 40 anos, dificilmente se escapa dos óculos de leitura: com a idade, alterações na acomodação do cristalino — a lente natural do olho, responsável pelo foco a diferentes distâncias — provocam presbiopia, a famosa vista cansada. Para pacientes que não se adaptam às lentes nem podem se submeter à cirurgia refrativa, pesquisadores apostam em colírios especialmente formulados para a condição. 

Um estudo apresentado recentemente no 43º Congresso da Sociedade Europeia de Cirurgiões de Catarata e Refração, em Copenhague, na Dinamarca, demonstrou que algumas gotinhas do colírio ao dia podem devolver a clareza da visão. Conduzida no Centro de Pesquisa Avançada em Presbiopia, em Buenos Aires, Argentina, a pesquisa constatou que a maioria dos 766 voluntários conseguiu ler duas, três ou mais linhas na tabela de Jaeger, que mede a acuidade visual de perto, após o uso do medicamento. Essa melhora se manteve por até dois anos.

O trabalho soma-se a evidências anteriores de que os colírios à base de pilocarpina, medicamento que contrai as pupilas e o músculo ciliar, que controla a acomodação do olho para a visão de objetos a distâncias variadas, são eficazes, especialmente no início do problema. Em 2022, um ensaio clínico de fase 3 com 700 pacientes entre 40 e 55 anos atestou que a maioria conseguiu ganhar três linhas de acuidade visual de perto, sem perder a visão de longe. 

Concentrações

No ano seguinte, outra pesquisa constatou que aplicar o remédio duas vezes ao dia estende a duração do benefício. Os resultados desses experimentos foram relatados, no mês passado, em um artigo de meta-análise, publicado no American Journal of Ophthalmology. O trabalho argentino apresentado, agora, na Dinamarca, testou a pilocarpina em três concentrações — 1%, 2% e 3% — em combinação a uma dose fixa de diclofenaco, medicamento de ação anti-inflamatória.

Todos os participantes tinham presbiopia e foram divididos em grupos distintos. A substância foi aplicada duas vezes ao dia, ao acordar e seis horas depois. Em caso de perda da acuidade visual, uma terceira dose podia ser administrada. 

“Nosso resultado mais significativo mostrou melhora rápida e sustentada na visão de perto para todas as três concentrações”, relata Giovanna Benozzi, diretora do Centro de Pesquisa Avançada em Presbiopia e principal autora do estudo, ainda não publicado. “Uma hora após a administração dos primeiros colírios, os pacientes apresentaram uma melhora média de 3,45 linhas na tabela Jaeger. O tratamento também melhorou o foco em todas as distâncias.”

Além disso, 99% dos 148 pacientes no grupo com pilocarpina a 1% atingiram a visão de perto ideal e conseguiram ler duas ou mais linhas extras. “Aproximadamente 83% de todos os pacientes mantiveram boa visão de perto funcional em 12 meses. Importante ressaltar que não foram observados eventos adversos significativos, como aumento da pressão intraocular ou descolamento de retina”, diz Benozzi.

Efeitos colaterais

No grupo de 2%, 69% dos 248 pacientes conseguiram ler três ou mais linhas extras na tabela Jaeger, mesmo resultado obtido por 84% dos 370 voluntários que receberam a substância a 3%. Em todos os braços do estudo, a melhora na visão foi mantida por até dois anos, com duração mediana de 434 dias. Os efeitos colaterais adversos foram leves: os mais comuns foram visão turva temporária, que ocorreu em 32% dos casos, irritação quando as gotas foram instiladas (3,7%) e dor de cabeça (3,8%). Nenhum participante interrompeu o tratamento.

Segundo Benozzi, o objetivo do grupo de pesquisa não é substituir os óculos nem a cirurgia refrativa, mas oferecer outra opção a quem não gosta de usar o acessório nem quer se submeter à intervenção cirúrgica, devido a potenciais riscos ou complicações. “Há um grupo de pacientes com presbiopia que tem opções limitadas além dos óculos e que não são candidatos à cirurgia; esses são o nosso principal foco de interesse”, assinala. “Buscamos fornecer evidências clínicas robustas que sustentem uma solução farmacológica inovadora para oferecer aos pacientes uma alternativa não invasiva, conveniente e eficaz.”

Aprovação

O oftalmologista Fernando B. Cresta, do CBV – Hospital de Olhos, conta que, nos Estados Unidos, dois colírios à base de pilocarpina com concentrações diferentes já foram aprovados para uso comercial. “Esses remédios são uma alternativa temporária aos óculos para perto, já que seus efeitos duram algumas horas após a instilação. Sua eficácia é maior no início da presbiopia, porém, a visão para perto sempre será melhor com óculos”, observa. No Brasil, a substância só é vendida em dosagens mais altas e com indicação para glaucoma (pressão intraocular elevada).

Além da duração limitada do efeito, o oftalmologista Edmar Cordeiro, especialista em córnea, doenças externas e oculares, catarata e cirurgia refrativa, observa que o período de acompanhamento dos pacientes nos estudos foi curto. Para o médico da Clínica Olhar Prime, embora os resultados das pesquisas sejam promissores, ainda é preciso comprovar a segurança e os benefícios do tratamento. 

Cordeiro afirma que os pacientes ideais para usar a medicação, quando for liberada, serão aqueles com início de presbiopia, em torno dos 40 aos 55 anos. “Esses pacientes têm, necessariamente, que passar pela avaliação oftalmológica, porque a córnea e a retina têm que ser saudáveis”, diz. “Também é importante os pacientes terem expectativas realistas sobre os resultados”, observa.

Três perguntas para 

 Giuliano Dobri, oftalmologista do Hospital Oftalmológico de Brasília (HOB)

Como agem os colírios de pilocarpina? 

Esses colírios funcionam estimulando a musculatura interna dos olhos. A pilocarpina faz a pupila contrair, e isso melhora a nitidez. Quando olhamos por um furinho, a imagem fica mais nítida tanto de perto quanto de longe porque aumenta uma coisa chamada de profundidade de foco. Além disso, esse medicamento ativa o músculo ciliar, que é o responsável pela acomodação, ou seja, a capacidade do olho de ajustar o foco para enxergar de perto. Com o passar dos anos, esse mecanismo vai perdendo força e surge a presbiopia, a famosa vista cansada. Ao estimular esses mecanismos, os colírios de pilocarpina conseguem devolver, ao menos em parte, essa capacidade de enxergar de perto, tornando tarefas como leitura, uso de celular ou manuseio de objetos pequenos muito mais fáceis, e tudo isso sem necessidade de óculos para perto. 

Quais as vantagens e os riscos de se combinar à pilocarpina o diclofenaco?

A principal vantagem é o aumento do conforto nos olhos. A pilocarpina isolada pode causar algum desconforto, vermelhidão, até mesmo uma leve inflamação, principalmente se ela for usada de forma contínua. Por ser um anti-inflamatório, o diclofenaco ajuda a minimizar esses efeitos, tornando o colírio mais tolerável para uso diário e contínuo. Além disso, alguns estudos sugerem que essa combinação pode prolongar o tempo de efeito, mantendo a melhora da visão de perto de forma mais consistente. Quanto aos riscos, apesar de os estudos apontarem poucos efeitos colaterais graves, é importante a gente lembrar que o uso contínuo de anti-inflamatórios nos olhos pode, em casos raros, afetar a cicatrização da córnea ou causar ressecamento ocular. Como a gente ainda não tem estudos que acompanharam os pacientes por muitos anos, recomenda-se sempre acompanhamento com oftalmologista, especialmente para quem já tem histórico de cirurgias ou de outras doenças oculares. 

Como esses colírios se comparam com os óculos de leitura ou lentes multifocais?

Em relação à melhora em ambientes com pouca luminosidade, um dos maiores desafios para quem tem presbiopia é enxergar de perto em locais pouco iluminados, como restaurantes à noite, ao ler uma bula de remédio no quarto ou usar o celular com as luzes apagadas. Isso acontece porque, no escuro, a pupila normalmente se dilata para absorver mais luz, mas isso acaba diminuindo o foco para perto. Então, quando a pupila fecha, a gente aumenta essa profundidade de foco e, quando ela abre, a gente diminui. Com a pilocarpina, a pupila vai permanecer mais fechada mesmo nessa baixa luminosidade, mantendo a nitidez para a leitura ou trabalhos manuais no escuro. Isso significa mais liberdade para essas atividades cotidianas e menos dependência de luz forte para um ganho real em qualidade de vida. Mas é importante lembrar que, por outro lado, a pupila menor pode reduzir um pouco a visão de longe em ambientes muito escuros ou causar uma leve sensação de escurecimento temporário após o uso do colírio. (Paloma Oliveto)

Por Painel da Cidadania

Fonte Correio Braziliense

Foto: Lubbock Eyes/Divulgação

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui