Hormônio do sono é risco para o coração

Estudo observacional com dados de mais de 130 mil pessoas sugere que o uso da melatonina sintética eleva a probabilidade de insuficiência cardíaca quando consumida regularmente por mais de um ano

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Vendida livremente em diversos países, incluindo o Brasil, e considerada uma alternativa natural para combater a insônia, a melatonina pode aumentar o risco de insuficiência cardíaca quando usada por mais de um ano. A conclusão é de um estudo observacional apresentado nessa segunda-feira (3/11) na reunião científica anual da American Heart Association (AHA) em Dallas, no Texas. 

Os autores esclarecem que o estudo é observacional, ou seja, não prova uma relação de causa e efeito. Porém destacam que os resultados chamam a atenção para a necessidade de avaliar com mais cuidado a segurança cardiovascular de um suplemento amplamente consumido e muitas vezes considerado inofensivo.

A melatonina é um hormônio naturalmente produzido pela glândula pineal, no cérebro, e regula o ciclo sono-vigília. Seus níveis aumentam à noite, estimulando o sono, e caem durante o dia. No entanto, versões sintéticas são vendidas como cápsulas ou gomas em farmácias e supermercados, sem necessidade de prescrição médica. 

Receita

Nos Estados Unidos, onde o estudo foi parcialmente conduzido, o produto é classificado como suplemento alimentar e, portanto, não é regulamentado pela agência sanitária com o mesmo rigor que os medicamentos. Isso significa que diferentes marcas podem variar amplamente em dosagem e pureza. No Brasil, desde 2021 a substância é vendida na mesma categoria que a norte-americana, com autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

A falta de dados sobre os efeitos de longo prazo motivou a equipe liderada por Ekenedilichukwu Nnadi, médico do SUNY Downstate/Kings County Primary Care, em Nova York, a investigar a possível relação entre o uso crônico de melatonina e doenças cardíacas. “Os suplementos de melatonina podem não ser tão inofensivos quanto se imagina. Se nossas descobertas forem confirmadas, isso pode mudar a forma como os médicos orientam seus pacientes sobre o uso de auxiliares do sono”, disse o pesquisador.

Os cientistas analisaram cinco anos de prontuários eletrônicos de 130.828 adultos diagnosticados com insônia, a partir do banco de dados internacional TriNetX Global Research Network, que reúne informações de saúde de diversos países. Entre eles, 65.414 haviam usado melatonina por pelo menos um ano e formaram o chamado “grupo da melatonina”. Eles foram comparados a um braço semelhante de pacientes com dificuldade de dormir, mas sem qualquer registro de utilização do hormônio.

Prescrições

O levantamento mostrou que, no período de cinco anos, os usuários de melatonina tiveram quase 90% mais chances de desenvolver insuficiência cardíaca do que os não usuários (4,6% contra 2,7%). Quando os pesquisadores restringiram a análise a pessoas que haviam feito pelo menos duas prescrições do suplemento com intervalo mínimo de 90 dias, o risco permaneceu elevado: 82%.

Os resultados também apontaram um aumento expressivo em desfechos graves. Pacientes que tomavam o hormônio sintético apresentaram 3,5 vezes mais probabilidade de serem hospitalizados por insuficiência cardíaca (19% contra 6,6%) e quase o dobro de risco de morte por qualquer causa (7,8% contra 4,3%) em comparação com os que não usavam o suplemento.

A pesquisa reacende o debate sobre o uso indiscriminado de melatonina, especialmente por longos períodos. “Fico surpresa que médicos prescrevam melatonina por mais de 365 dias”, afirma Marie-Pierre St-Onge, professora da Universidade Columbia e presidente do grupo de redação do documento científico da AHA sobre saúde do sono, que não participou do estudo. “Nos Estados Unidos, a melatonina é vendida sem receita e não é indicada para tratar insônia crônica. As pessoas precisam saber que não deve ser usada de forma contínua e sem acompanhamento.”

Para a especialista, o sono saudável é multifatorial e envolve hábitos, luz, rotina e condições de saúde. “Tomar um hormônio sintético diariamente não resolve o problema de fundo da insônia e pode trazer outros riscos à saúde, como sugerem os novos dados”, completou.

Limitações

Os autores do estudo, porém, reconhecem limitações importantes. Como o banco de dados inclui países com diferentes regras de prescrição — como o Reino Unido, onde a melatonina é vendida apenas com receita — e outros onde é de venda livre, há incertezas sobre quantas pessoas realmente tomavam o suplemento sem registro médico. Isso significa que parte dos usuários frequentes pode ter sido incluída erroneamente no grupo “não melatonina”.

Além disso, a análise depende de códigos médicos de diagnóstico e hospitalização, que podem variar. A equipe também não teve acesso a informações sobre a gravidade da insônia nem sobre outras condições psiquiátricas, como depressão e ansiedade, que poderiam influenciar tanto o uso de melatonina quanto o risco cardíaco.

“Pessoas com insônia mais severa ou com distúrbios mentais podem ter maior risco de eventos cardiovasculares, o que torna difícil separar as causas”, reconheceu Nnadi. “Nosso estudo levanta preocupações, mas não estabelece uma relação direta de causa e efeito. Precisamos de pesquisas adicionais para confirmar se a melatonina, de fato, afeta o coração.”

A insuficiência cardíaca afeta cerca de 26 milhões de pessoas globalmente. O distúrbio ocorre quando o coração não consegue bombear sangue suficiente para atender às necessidades do corpo. Entre os fatores de risco conhecidos estão hipertensão, obesidade, diabetes, tabagismo e consumo excessivo de álcool.

Por Painel da Cidadania

Fonte Correio Braziliense

Foto: Maurenilson Freire

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