Interromper uso de mounjaro faz quilos voltarem e benefícios sumirem

Estudo revela como interrupção do tratamento com caneta emagrecedora mounjaro está ligada ao reganho do peso eliminado inicialmente e ao retorno de outros problemas de saúde, como hipertensão e alterações de glicemia

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A interrupção do medicamento mounjaro — uma das “canetinhas emagrecedoras”, que promove uma perda média de 20% do peso inicial — está associada não apenas ao reganho dos quilos eliminados, mas à reversão dos benefícios cardiometabólicos, segundo o resultado de ensaio clínico publicado na revista Jama. A análise, encomendada pela Eli Lilly, fabricante da substância tirzepatida, mostra que a maioria dos participantes que param de tomar o remédio voltam a ter problemas, como hipertensão arterial, glicemia descontrolada e perfil lipídico desfavorável, além de engordarem. 

O estudo Surmount-4 incluiu 308 pessoas que receberam a tirzepatida nas doses de 10mg ou 15mg e perderam pelo menos 10% do peso em 36 semanas. Depois, foram divididas aleatoriamente para seguir o tratamento ou migrar para o placebo durante mais 13 meses. O estudo publicado ontem refere-se ao grupo que, sem saber, teve a medicação interrompida. 

Os dados mostram que 82,5% dos participantes recuperaram 25% ou mais do peso perdido durante os meses iniciais de uso da tirzepatida, uma molécula de ação dupla nos receptores hormonais GIP e GLP-1. Quase metade do grupo voltou a ganhar 50% ou mais, e cerca de um quarto recuperou 75% ou mais dos quilos eliminados anteriormente. Um pequeno contingente, de quase 9%, terminou o estudo acima do peso que tinha antes de iniciar o tratamento. 

Apenas 17,5% conseguiram limitar o reganho a menos de 25%, mostrando que a manutenção da perda de peso sem a continuidade do medicamento foi incomum, mesmo com acompanhamento nutricional e incentivo à atividade física. De acordo com os autores, essa heterogeneidade sugere que fatores individuais relacionados à fisiologia da obesidade influenciam fortemente a resposta após a retirada da droga.

Contínuo

“A obesidade é uma doença crônica, e os dados desse estudo reforçam muito a necessidade do tratamento contínuo medicamentoso para a doença”, destaca a endocrinologista Jamilly Drago, da clínica Metasense, em Brasília. “Os resultados da substância dependem muito da sensibilidade do indivíduo aos hormônios GLP-1 e GIP; da composição corporal inicial, do metabolismo basal”, enumera. A médica também lembra que o comportamento do paciente e a adesão à dieta e aos exercícios físicos também influenciam, assim como a existência de comorbidades. “No caso de resistência insulínica, a dificuldade de manutenção do peso perdido é maior.”

Estudos anteriores com o mesmo grupo de pacientes haviam demonstrado que, durante o tratamento, os voluntários tiveram queda consistente do peso, do índice de massa corporal (IMC), da circunferência da cintura e de diversos marcadores metabólicos, como glicemia de jejum, hemoglobina glicada, insulina e lipídios. A nova análise mostra que boa parte dessas melhorias desapareceu após a interrupção da tirzepatida.

A reversão dos benefícios cardiometabólicos começou cedo: muitas vezes, já nas primeiras 16 semanas após a suspensão da droga, especialmente em parâmetros glicêmicos, refletindo a perda do efeito farmacológico direto da tirzepatida sobre o controle da glicose. “Isso sugere que alterações hormonais — como queda dos níveis de GLP-1 endógeno e aumento da grelina, hormônio da fome — podem ocorrer precocemente, antecipando mudanças comportamentais e metabólicas.”, acredita a nutricionista Taynara Abreu, do Grupo Mantevida. Para a epecialista, a descoberta reforça a ideia de que o peso não muda primeiro: “Antes dele, mudam o apetite, a saciedade e o gasto energético”, diz. 

Apesar da perda de quase todos os benefícios cardiometabólicos, os autores destacam que, mesmo entre aqueles que recuperaram até 50% do peso perdido, alguns indicadores (como glicemia e lipídios) se mantiveram discretamente melhores que no início do estudo. Já entre os que voltaram a ganhar 75% ou mais, praticamente todas as melhorias retornaram aos níveis iniciais. 

Pressão

Um dos aspectos destacados no artigo é a piora da pressão arterial sistólica e diastólica em todas as categorias de reganho. A tirzepatida, assim como outros agonistas de hormônios intestinais chamados incretinas, parece atuar não só pela redução do peso, mas por efeitos diretos na regulação da pressão.  Ao retirar o medicamento, esses efeitos se dissiparam, acelerando a volta dos números pré-tratamento.

Houve também reversão do impacto positivo sobre os triglicerídeos e o colesterol não HDL (o “ruim”). O comportamento do HDL, no entanto, foi diferente: primeiro caiu durante a fase de perda de peso e, após a retirada da tirzepatida, voltou a subir — um padrão já observado em pessoas que emagrecem apenas com dieta.

Segundo os autores, o estudo reforça o caráter crônico da obesidade e a necessidade de abordagem contínua, de longo prazo, para que os benefícios metabólicos sejam preservados. “Os resultados evidenciam que, para muitos pacientes, a regulação do peso não depende apenas de força de vontade ou mudanças comportamentais”, concorda José Marcelo Natividade, médico endocrinologista e metabologista de São Paulo.

Natividade lembra que há uma forte base biológica, envolvendo hormônios da fome, gasto energético e mecanismos de defesa do peso corporal, que costuma atuar contra a perda sustentada. “A intervenção de estilo de vida segue sendo fundamental, mas dificilmente consegue sozinha compensar essas adaptações fisiológicas. Por isso, o tratamento moderno da obesidade costuma ser pensado como crônico, e não temporário. A suspensão abrupta da medicação muitas vezes revela essa vulnerabilidade.”

Duas perguntas para

Firmino Haag, médico, coordenador da Cardiologia do Hospital Albert Sabin (HAS-SP)

O aumento da pressão arterial após o reganho de peso observado no estudo pode elevar o risco cardiovascular de forma rápida?

Sim. Quando uma pessoa recupera peso, especialmente se esse peso for associado ao aumento de gordura corporal, isso pode levar a alterações na função cardiovascular, como aumento da resistência à insulina, inflamação e estresse oxidativo. Esses fatores podem contribuir para o desenvolvimento de hipertensão (pressão alta), que é um importante fator de risco para doenças cardíacas e acidentes vasculares cerebrais.

Em pacientes com risco cardiovascular elevado, como deve ser conduzida a decisão de continuar ou suspender o medicamento?

A decisão deve ser conduzida de forma cuidadosa e individualizada, considerando diversos fatores clínicos e as diretrizes atuais. Alguns pontos a serem considerados são os benefícios cardiovasculares, reações adversas, avaliação de comorbidades, considerar benefícios econômicos e sociais e por fim, o trabalho em conjunto da equipe multiprofissional entre cardiologistas, endocrinologistas e outros profissionais de saúde, para uma avaliação completa e adequada do paciente. (PO)

Planejamento é fundamental

Quando se interrompe o uso dos medicamentos GLP-1 e, principalmente, se houver um ganho de peso rápido, o paciente começa a ficar mais resistente à insulina, o hormônio que faz o controle da glicemia. O organismo fica mais inflamado, sobrecarregando o nosso sistema cardiovascular, que já é mais exigido durante a gestação. Tudo isso junto favorece o ambiente para desenvolver uma pressão mais alta e até mesmo a pré-eclâmpsia. Pacientes com obesidade ou sobrepeso devem planejar a perda de peso antes de iniciar as tentativas de engravidar e, para evitar efeitos rebotes, é fundamental que, antes de suspender a medicação, tenham acompanhamento médico e nutricional. É importantíssimo conversar com seu médico para poder fazer ajustes de dose, peso, estilo de vida e também das metas de emagrecimento. O peso excessivo aumenta o risco de diabetes gestacional, pré-eclâmpsia e parto prematuro.

Tatianna Ribeiro, ginecologista
e obstetra da clínica Reghio,
em Brasília 

Interrupção de uso pode afetar gravidez

A interrupção abrupta de receptores de GLP-1 — “canetinhas emagrecedoras” como semaglutida e tirzepatida — por mulheres um pouco antes ou logo após a concepção pode ter implicações negativas na gestação. O alerta é de um artigo publicado na revista Jama Online por pesquisadores do Hospital Geral de Massachusetts em Boston, nos Estados Unidos. Segundo os cientistas, o uso crescente desses medicamentos por mulheres em idade reprodutiva é acompanhado de um alerta: enquanto não se tem informações suficientes sobre a segurança das substâncias para o feto, a descontinuação do uso por grávidas está associada a efeitos adversos, como pré-eclâmpsia e parto prematuro. 

No estudo, os pesquisadores analisaram registros eletrônicos de saúde de 1.792 gestações que ocorreram entre 2016 e 2025, principalmente entre mulheres com obesidade. Cada paciente que recebeu prescrição de um receptor de GLP-1 (GLP-1RA) nos três anos anteriores e até 90 dias após a concepção foi comparada a três gestações semelhantes em que a mãe não tomou esses medicamentos. 

Mulheres que interromperam o uso de GLP-1RAs antes ou no início da gravidez ganharam, em média, 3,2 kg a mais durante a gestação e tiveram um risco 30% maior de diabetes gestacional, e 29% mais elevado de distúrbios hipertensivos durante a gravidez. A chance de parto prematuro foi 34% mais elevada. “Precisamos de mais pesquisas para encontrar maneiras de ajudar a controlar o ganho de peso e reduzir os riscos durante a gravidez ao interromper o uso de medicamentos GLP-1”, disse, em nota, a autora sênior Camille E. Powe.

“A gravidez, por si, já impõe uma carga metabólica maior devido aos hormônios placentários”, destaca Camilla Pinheiro, ginecologista e obstetra, em São Paulo. “Assim, mulheres que descontinuam essas medicações chegam ao período gestacional mais vulneráveis ao descontrole glicêmico. Isso reforça a importância de planejamento pré-concepcional adequado para reduzir riscos maternos e fetais.” (PO)

Por Painel da Cidadania
Fonte Correio Braziliense
Foto: Sweet Life/Unsplash

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