Em 2018, Ligia Fabris participou do julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) que definiu a obrigatoriedade do repasse de 30% do fundo partidário para candidatas mulheres. O argumento da pesquisadora e professora da Escola de Direito do Rio de Janeiro, da FGV (Fundação Getúlio Vargas) era que a verba destinada a elas deveria ser proporcional ao número mínimo de candidaturas de mulheres por partido que já era exigido pela lei, também de 30%. A proposta foi aceita pela corte e entrou em vigor já nas eleições daquele ano.
Desde então, novos e significativos problemas surgiram, e Ligia tem se dedicado a pesquisar alguns deles, como a violência política de gênero. Ela também é a fundadora do Fórum Fluminense Mais Mulheres na Política, criado em parceria com universidades, ONGs, advogadas e ativistas. Em 2020, ao lado da Procuradoria Regional Eleitoral do RJ, está realizando uma série de eventos online com mulheres do país todo para falar sobre campanhas.
Em entrevista a Universa, Ligia fala sobre os principais desafios enfrentados pelas mulheres na política, como dupla jornada e falta de financiamento, e como isso será agravado pela pandemia. “Neste ano, elas têm mais informações sobre acesso a recursos, além de haver uma articulação dos grupos entre si, o que me leva a pensar que mais candidatas podem ser eleitas. Por outro, acredito que, com a pandemia, as mulheres foram especialmente prejudicadas.”
Mais mulheres na política em 2020?
Os obstáculos já enfrentados pelas mulheres, como a dupla jornada de trabalho e a consequente falta de tempo para se dedicar a uma carreira política, ficam ainda piores neste ano por causa da pandemia, segundo Lígia.
“As mulheres estão no epicentro da crise de saúde, uma vez que, normalmente, são as responsáveis pelas tarefas de cuidado. Elas são as encarregadas não só do trabalho doméstico mas também de crianças, idosos e doentes. Essa sobrecarga gerada pela divisão sexual do trabalho torna ainda mais crítica a possibilidade de termos mais mulheres eleitas”, afirma.
“Mas, em uma perspectiva mais otimista, vejo que as candidatas estão mais informadas sobre acesso a recursos, há mais articulação dos coletivos femininos entre si. E até a pandemia, que trouxe um cenário de politização maior, pode alavancar o interesse em participar da política”, diz. “Torço para que, neste ano, o número de mulheres eleitas aumente. De qualquer maneira, o que vai sobressair é que as mulheres estão engajadas e dispostas a isso.”
Precisamos falar sobre dinheiro
“O maior obstáculo que identificamos para as mulheres em 2018 foi o acesso a recursos. Por isso, o reconhecimento pelo STF e pelo TSE da necessidade do repasse de 30% é tão importante. Dinheiro é um elemento crítico para qualquer candidato ser eleito”, diz Ligia.
Mesmo com o direito conquistado em 2018, relatos sobre distribuição desigual da verba entre homens e mulheres ainda são constantes. “Partidos têm liberdade para traçar estratégias e escolher em quem vão investir o dinheiro. Não está exatamente claro como esses recursos vão ser distribuídos, para quais finalidades dentro das candidaturas femininas. Tem muitas maneiras de driblar”, diz.
“Mas, neste ano, eu tenho a impressão de que as mulheres estão mais atentas. Em 2018, muitas nem sabiam que tinham direito aos recursos. Elas não sabem ainda como acessá-los. Por isso, é importante haver um canal de orientação e fiscalização. Aqui no Rio, no acordo do Fórum com a procuradoria eleitoral, foi criado um canal de denúncia para receber informações sobre qualquer tipo de irregularidade em campanhas que vai se dedicar a analisar questões ligadas a candidaturas femininas.”
Ligia fala, ainda, sobre os problemas no cumprimento do uso de 5% do dinheiro do fundo partidário para a formação de candidatas, regra que existe desde 1995, com a Lei dos Partidos Políticos. “Vimos até agora, do que está disponível das prestações de contas, que o dinheiro de fomento à formação e participação das mulheres, em geral, não é gasto para essa finalidade”, diz. “Já vi essa verba sendo identificada como ‘lanche para mulheres’, ‘luz para mulheres’”, conta. Nesses casos, uma denúncia precisaria ser feita para que fosse aberta investigação sobre o destino da verba. Entre as possíveis punições, caso comprovada a irregularidade pelo TSE, está a cassação do mandato de todas as pessoas eleitas pelo partido.
Fake news preferem as mulheres?
Nos eventos virtuais com as pré-candidatas às eleições deste ano, Ligia tem tratado também das fake news. “Foi uma coisa que nos pegou de surpresa nas eleições de 2018. As fake news muitas vezes viraram armas de homens, dos políticos, dos candidatos, contra mulheres, difamando-as das maneiras mais vis e sexistas”, explica.
A pesquisadora relembra vítimas dessa prática, como a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), que foi vítima de uma campanha difamatória após ser assassinada, em 2018 —na época, mensagens compartilhadas pelo Whatsapp, chegaram a dizer que a vereadora era envolvida com o tráfico carioca.
Neste ano, explica, novas regras impostas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) deverão ser seguidas na tentativa de impedir as fake news, como a exigência da prestação de contas relacionadas ao impulsionamento de conteúdo na internet, valor que precisa fazer parte do planejamento da campanha como um todo.
É assombroso como o Brasil não sai do lugar”
Ofender uma mulher por ser mulher dentro do âmbito político tem nome: violência política de gênero. Para Ligia, o Brasil deveria seguir o exemplo de outros países vizinhos, como Bolívia, México, Equador e Uruguai, e criar uma lei, a exemplo da Lei Maria da Penha, detalhando a prática na tentativa de coibi-la.
“Estou elaborando um projeto de lei sobre isso para levar para o debate no ano que vem. Penso em levar à bancada feminina do Congresso”, diz. “O Rio de Janeiro já tem uma proteção um pouco maior e específica, por meio do Estatuto da Mulher Parlamentar, que vale para o estado. Queremos levar a discussão para o âmbito nacional com o objetivo de nomear a violência que tanto as candidatas quanto as que já têm cargos eletivos sofrem”, diz a professora.
“Estamos falando de um fenômeno de desqualificação que acontece repetidamente, tentando mostrar que a política é um lugar em que as mulheres não deveriam estar. Ao ser nomeada, essa prática pode ser identificada com maior recorrência, e será possível criar maneiras de prevenir, remediar e punir, administrativa ou penalmente, dependendo do tipo de sanção”, explica. “É assombroso como o Brasil não consegue sair desse lugar em que a política é um meio em que uma mulher não deve estar.”
Para o Cientista Político e Diretor da Royal Politics, as mulheres precisam tomar o protagonismo nas eleições 2020, e estarem mais unidas, assim começam a fazer a reforma na cabeça das pessoas que o Brasil, tanto precisa,
Por Camila Brandalise de Universa UOL, com informações de Sueli Moitinho do Painel da Cidadania
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