A luta de 40 psicólogos e psiquiatras para salvar vidas

Chefe da psiquiatria do Hospital de Base defende o fortalecimento de políticas públicas para evitar que pessoas atentem contra a própria vida

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Apoiar pessoas que estão fragilizadas psicologicamente para ajudá-las a superar suas angústias e evitar que cheguem a atos extremos, como tirar a própria vida. Essa é a missão dos mais de 40 psicólogos e psiquiatras que trabalham no Hospital de Base (HBDF) e no Hospital Regional de Santa Maria (HRSM), que atendem em média 5,6 mil pacientes e acompanhantes por mês.

E é justamente para prevenir contra o suicídio que este mês é realizada desde 2014 a campanha nacional Setembro Amarelo, abraçada pelo Instituto de Gestão Estratégica de Saúde (IGES-DF), que administra o Hospital de Base e o Hospital de Santa Maria.

“Os dados ainda são altos e evidenciam a necessidade de discutirmos o assunto na nossa sociedade”Sérgio Cabral Filho, chefe da psiquiatria do Hospital de Base

O Setembro Amarelo é organizado nacionalmente pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM). Reforçando a campanha, este ano a ABP traz o tema “Agir Salva Vidas”, chamando a atenção para a importância de oferecer tratamento a quem precisa.

Nos últimos quatro anos, de 2017 a 2021, o Distrito Federal registrou 790 suicídios, o que equivale a 197 mortes dessa natureza por ano, de acordo com o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do DF. Na pandemia, foram 245 óbitos, sendo 182 mortes em 2020 e 63 suicídios entre janeiro e 8 de setembro de 2021.

A pandemia não fez aumentar o número de casos, mas o volume de ocorrências preocupa o chefe da psiquiatria do Hospital de Base, Sérgio Cabral Filho. Ele lembra, que em 2019 ocorreram 196 suicídios, número que caiu 7% em relação a 2020 (182 casos), ano da explosão da pandemia.

“Os dados ainda são altos e evidenciam a necessidade de discutirmos o assunto na nossa sociedade”, propõe Cabral. Nesta entrevista, o psiquiatra defende o aprimoramento de políticas públicas que fortaleçam as medidas de prevenção, desestimulem o suicídio e ajudem a salvar vidas.

Qual a importância da campanha Setembro Amarelo para conter o suicídio?

Sérgio Cabral – O tema é importantíssimo de ser trazido, devido aos dados que possuímos dos últimos anos, evidenciando números preocupantes de mortes por suicídio. Ao mesmo tempo em que é importante, também é muito delicado e sensível, no qual o modo de se transmitir esse tipo de assunto tem grande valor na própria prevenção. Já é sabido que a própria campanha pode ter um peso ao trazer esses conteúdos para as pessoas que já estão em sofrimento. Por outro lado, mostrar a importância do assunto e conscientizar é fundamental para redução de estigma e para a prevenção efetiva. Diante desse paradoxo, o ideal é tratar o tema focando na esperança e enaltecendo o que temos de positivo. Fazer a campanha dando os meios de busca por ajuda é o ponto fundamental para ajudarmos a salvar vidas.

“Mais do que conscientizar, precisamos efetivamente oferecer serviços de apoio para quem está em sofrimento psíquico”

Que fatores levam ao suicídio?

Alguns fatores são preponderantes. Entre eles estão o sentimento de não pertencimento e a desvalorização da própria vida. Dessa forma, muitas doenças psiquiátricas, como depressão e ansiedade, são fator de risco, pois podem levar a essa desvalorização da vida e até mesmo a uma alteração profunda na percepção da realidade. Quando isso se junta ao “não pertencer”, há uma facilitação para que se chegue ao ato. Por essa razão, é fundamental que fiquemos atentos às pessoas à nossa volta. Por vezes vemos colegas de trabalho ou familiares que se mostram diferentes, mais fechados e distanciados. Em alguns momentos apenas temos a percepção, quase intuitiva, de que algo não está bem com o outro. Ao passar por alguma situação assim, provavelmente já identificamos alguém que precisa de ajuda.

O tema da campanha “Agir Salva Vidas” tem a intenção de fortalecer essa ajuda?

O que devemos pensar é em formas de prevenir o suicídio, potencializando a saúde mental. Isso pode ser feito por meio de cuidados com o bem-estar, acolhimento, integração social, uso de dispositivos sociais, entre outros. O título da campanha deste ano mostra justamente a importância de sairmos do ponto em que apenas falar era o suficiente. Mais do que conscientizar, precisamos efetivamente oferecer serviços de apoio para quem está em sofrimento psíquico. Sendo assim, os serviços de saúde devem ter um fácil acesso para pessoas em risco, desde os centros de atendimento por telefone, como o Centro de Valorização da Vida (CVV), pronto atendimentos e hospitais gerais.

“Qualquer pessoa pode identificar alguém em sofrimento e, ao fazer isso, a primeira coisa a se questionar é: ‘Eu tenho como ajudá-la?’”

Como pessoas leigas podem ajudar pessoas que estejam correndo esse perigo de atentar contra a própria vida?

Qualquer pessoa pode identificar alguém em sofrimento e, ao fazer isso, a primeira coisa a se questionar é: “Eu tenho como ajudá-la?”. Após responder a essa pergunta é que se deve partir para a ação. Muitas vezes queremos ajudar sem ter os recursos necessários e isso pode acabar sendo negativo para os dois lados. Ao identificar a pessoa em sofrimento e questionar se ela precisa de ajuda, ou se está passando por algo, é fundamental ter a condição de acolher a demanda e poder encaminhar ao serviço especializado. Apenas lá, os profissionais treinados poderão aferir o nível de risco e dar as condutas necessárias. Só a partir daí que os tratamentos serão definidos e indicados.

Porque o suicídio ainda é um desafio a ser combatido no Brasil e no mundo?

Segue um desafio por vários motivos. Nos últimos tempos temos tido aumentos em diagnósticos psiquiátricos que são fatores de risco importantes. Além disso, há uma grande crítica ao esvaziamento das relações e a grande transformação que passamos com o mundo digital cada vez maior. A própria dificuldade de tratar o tema, com uma linha muito tênue entre prevenção e piora das taxas de suicídio, faz com que o desfio aumente. Dessa forma, devemos seguir buscando um aprimoramento em todos os sentidos, iniciando nas pesquisas científicas até chegar às medidas de prevenção e de esperança.

Onde procurar ajuda no DF

A Secretaria de Saúde do DF oferece atendimento por meio de diversos centros especializados, como os de atenção psicossocial (CAPS) e de atenção às pessoas em situação de violência sexual, familiar e doméstica (Cepav), além de oferecer assistência nas unidades básicas de saúde (UBSs). Em casos de emergência, pode-se contar com o serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), pelo número 192 e prontos-socorros hospitalares.

O Centro de Valorização da Vida (CVV) também oferece ajuda por meio de voluntários treinados para conversar com todas as pessoas que procuram apoio emocional, sob total sigilo. A ligação para o CVV, em parceria com o SUS, por meio do número 188, é gratuita a partir de qualquer linha telefônica fixa ou celular. Ainda é possível acessar o site do CVV para chat, Skype, e-mail e mais informações sobre a ligação gratuita.

*Com informações do IGES-DF

Por Agência Brasília com informações de Sueli Moitinho

Foto: Agência Brasília

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