Unidas pela dor; mães se articulam por justiça

Parentes de jovens mortos por grupos de extermínio que seriam integrados por PMs criam rede de apoio no WhatsApp para cobrar punição

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Brunno Anderson Pires do Rego, 24 anos, tinha três passagens pela polícia. No histórico criminal de Renato de Oliveira Barros, 42, constava uma prisão por tráfico de droga. A infração que também manchou o nada consta criminal de Matheus Rennan Gomes, 16, e Marcos Antônio da Silva Folha Barreiro,14. Yuri Henrique Batista de Jesus, 30, por sua vez, respondia por roubo de carro.

Além do envolvimento com o crime, esses moradores da periferia tiveram a vida ceifada da mesma forma: em suposto confronto com a temida Polícia Militar de Goiás. Alcunha que esse braço das forças de Segurança Pública do estado ganhou por costumar a ser implacável com criminosos que cruzam o seu caminho.

Apesar dos jargões “Bandido bom é bandido morto” e “CPF cancelado” estarem na moda, principalmente com a escalada da violência dos últimos anos e à ascensão de um presidente egresso das Forças Armadas e um verdadeiro militante das forças de segurança, o Brasil não aplica a pena de morte. Invés disso, tenta recuperar seus criminosos com regime de progressão de pena do fechado para o semiaberto até chegar ao aberto.

Mas a polícia goiana – principalmente a Militar – parece estar sob o regimento de uma outra legislação. Em 2016, a Polícia Federal deflagrou Operação Sexto Mandamento, que desmantelou um grupo de extermínio formado por policiais militares que agia no Entorno do Distrito Federal. Três anos depois, foi a vez do Ministério Público de Goiás denunciar cinco policiais indiciados na Operação Circo da Morte por cometerem homicídios Santo Antônio do Descoberto.

“Queremos Justiça”

Apesar do estorvo da PF e do MPGO, aqui e acolá, ainda surgiam casos de execução de pessoas envolvidas com crime, pelas mãos de PMs. Mas eles pipocaram este ano. Tanto que de familiares dessas vítimas criaram um grupo no WhatsApp com o intuito de protestar contra essa matança. Em apenas duas semanas de fundação, o grupo já contam com 16 integrantes. Todas mães de filhos mortos pela PM de Goiás. Lá, elas avisam sobre andamento das investigações, informam telefone de promotores, marcam encontros e até manifestação.

A fundadora foi Luciane Alves, 34. Sem respaldo da polícia para investigar a morte do filho, a moradora de Ceilândia encontrou nas redes sociais uma forma de pressionar por justiça. “Depois que passou a reportagem da morte do meu filho e dos amigos, as mães começaram a me procurar. Então, a gente trocou telefone e resolveu montar esse grupo para trocar informações sobre investigação, sobre passos a serem dados para cobrar mais das autoridades”, explicou ela.

O filho de Luciane, Matheus Rennan Gomes Barreiro, 16, foi morto juntamente com três amigos. No dia 26 de fevereiro, ele saiu de casa, em Ceilândia, para ir a uma chácara no Jardim do Ingá, em Luziânia, onde ficaria por um período. A propriedade é dos avós do amigo Lucas Rodrigues dos Santos, 17. Além dos dois, estava no bonde Riquelme Lucas Cardoso Rocha, 18. No decorrer de um churrasco, a PM invadiu a propriedade atrás de dois suspeitos. Mesmo não comprovando qualquer conexão entre o grupo e os procurados, os policiais chegaram arregaçando. Agrediram os jovens e foram embora.

Isso ocorreu na noite do dia 7 de março, momentos antes deles retornarem para casa de Uber. O carro fretado era de um outro colega que trabalhava para o aplicativo. O dono do veículo era Vanilson Andrade de Siqueira, 43. Vanilson conduzia seu automóvel pela BR-040, quando as mesmas viaturas que estavam na chácara o cercaram.

Essa informação foi dada por meio do aplicativo de mensagens que partiu do telefone de Lucas Rodrigues para um amigo que estava em Ceilândia. Falando baixo, ele gravou uma mensagem dizendo que os policias do Grupo de Patrulhamento Tático (GPT) estavam levando eles para o mato. E alguns dos seus colegas já haviam apanhado muito.

Em seguida, pede para o amigo não mandar mais mensagem. Esse foi o último contato da vítima. Os quatro foram mortes a tiro. A explicação oficial foi a de que houve perseguição e troca tiro com os policiais, mas não havia marcas de bala no automóvel. “Meu filho era a coisa que mais amava no mundo”, desabafa Luciene.

Reincidentes

Alguns dos policiais que executaram os quatros homens no Jardim do Ingá também mataram Marcos Antônio da Silva Folha, 14. A mãe dele, Leila Idaiana Lorenço, 37, que mora em Ceilândia e também integra o grupo de familiares de pessoas mortas pela PM de Goiás, conta que ele saiu as 11h do dia 11 de abril de Uber para encontrar amigo no Gama. Eles foram vistos com vida pela última vez vivos na Prainha, uma espécie de parque ecológico da cidade.

Mas seus corpos foram encontrados em Luziânia. “Uma mulher chegou a colocar nas redes sociais que os PMs de Goiás expulsaram ela da Prainha, no Gama, e começaram a bater no meu filho e nos amigos (havia mais um integrante do grupo).

Havia perfurações de tiros em seus corpos e traumatismo craniano. O filho dela tinha costelas quebradas. O corpo só deu entrada no Instituto de Medicina Legal de Luziânia no dia seguinte. Até hoje, o caso segue insolúvel. “Meu neto era um menino bom. Aqui não tem pena de morte”, desabafa a avó Ildete Lourenço, 60.

No dia 5 do mês passado, Brunno Anderson PIres do Rego, 24 anos, estava na Cidade Eclética, quando teria se envolvido numa troca de tiros com a polícia de Goiás. Acompanhado de um amigo, ele disse para a mãe que voltaria logo. Sua última visualização no WhatsApp foi as 23h. “Eu sabia que tinha acontecido algumas coisa. Mãe sente. Não adianta. Ele nunca recusou uma ligação minha”, lembra Jaqueline Pereira PIres, 43.

Os corpos deles foram encontrados no dia seguinte no IML após um amigo dela, que conhecia a outra vítima, ou seja, o colega de Bruno, chamado de Laercio, que também. “Fui lá e não me deixaram reconhecer ele. Reconheci meu filho só no cemitério. Tinha esperança que não fosse ele”, disse ela. No carro, foram encontrados duas armas e dez quilos de maconha. Delegacia de Homicídios de Santo Antônio do Descoberto apura.

Morto em casa

Renato de Oliveira Barros, 42, estava em casa quando os policiais militares cercaram o lote, invadiram e o mataram. A mulher dele, Jéssica Idalina Bezerra da Silva, 26, lembra que, no dia, 11 do mês passado, parentes da vítima foram bordados numa distribuidora perto de casa, em Águas Lindas, pelos policiais, que procuravam Renato, que tomava banho em casa.

Um casal que dividia o lote com Renato e Jéssica presenciou a ação. Eles ouviram gritos dos policiais e seguidos por tiros. A rua foi cercada e ninguém mais podia entrar. Nem os parentes do morador. Os policiais pularam o muro e abriram o portão para outros dois colegas de farda. O casal de vizinhos lembra ter escutado os policiais falarem: “Renato, saia”. Eles ainda afirmaram terem ouvido quatro estampidos. Foi essa quantidade de tiros que matou Renato naquele dia segundo laudo do IML. Eles atingiram o tórax, abdômen e braço direito. “No momento dos disparos, aumentaram o volume das sirenes para abafar os tiros”, disse Jéssica.

Procurada pela reportagem, a PM-5 – repartição encarregada da comunicação da PMGO – não havia se manifestado até o fechamento desta edição. Assim como as investigações das mortes, que continuam sem respota. Enquanto isso, os familiares de vítimas quebram o silênicio em grupo de internet, como o recém-criado grupo no WhatsApp, ou em manifestações de rua, a fim de não deixar que o silêncio enterre também a identidade dos culpados pelas mortes.

Por Ary Filgueira do Jornal de Brasília com informações de Sueli Moitinho

Foto: Vitor Mendonça/ Jornal de Brasília

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