Se a expressão “fazer arte”, usada para criticar atitudes ligadas ao universo infantil, fosse adaptada para descrever o coletivo Sobradinho Artístico, o ideal seria dizer “ser arte.” Desde meados de 2020, Clara Caldeiras, Eduarda Siqueira, Fernanda Maria Avelar, Luanna Rodrigues e Nicole Cristina Vasconcelos, moradoras de Sobradinho, promovem eventos culturais na região para divulgar a arte dos moradores da cidade, dando prioridade para o trabalho de mulheres. O conjunto nasceu de maneira orgânica e foi a sequência lógica do crescimento das jovens, que têm entre 18 e 20 anos e estão mergulhadas desde a pré-adolescência no universo cultural e artístico.
“O projeto começou de forma totalmente despretensiosa, na intenção de ser apenas um evento na casa da Nicole. No final, acabou virando uma feira expositiva”, conta Clara, poeta natural de São Gonçalo (RJ) e moradora de Sobradinho desde 2020. “Tínhamos contato com muitos artistas da cidade, que vinham à minha casa. E pensamos: por que não juntar essa galera toda?”, complementa Nicole, multiartista, grafiteira, pintora e produtora. Elas, então, tiveram a ideia de montar um coletivo de mulheres. “Para trazer essa noção de união para Sobradinho, mostrando um pouco da arte de cada pessoa, com a missão de representar todo mundo”, completa Nicole.
Efervescência
O pano de fundo da cidade, a única do DF em uma região serrana, é indissociável tanto da vida das artistas quanto da origem do coletivo. Apesar do clima marcado por temperaturas mais baixas do que o registrado nas outras partes da capital federal — justamente pela localização geográfica — o calor da efervescência cultural de Sobradinho influenciou a decisão de incentivar a arte local.
“Tanto quem é daqui, quanto pessoas de fora sempre falaram que, historicamente, Sobradinho é uma cidade extremamente artística, com muitos eventos culturais e lar de grandes artistas”, observa Duda, que é dançarina profissional há seis anos. “(Criar o coletivo tem) um pouco de ancestralidade, de saber a força que a gente tem, de ver os jovens da nossa bolha e nossos amigos reunidos, de ter esse projeto de fomentar e de ver todo mundo crescer junto”, completa a jovem.
Clara relembra que, ao chegar ao DF, viu uma potência artística grande, principalmente entre mulheres. “Mas também percebi que faltava algo realmente sólido, que fizesse com que a visibilidade dos artistas fosse ainda maior”, explica, e destaca que o peso artístico da capital federal é imenso. “Depois que percebemos que realmente faltava um lugar de reuniões, resolvemos mergulhar nessa aventura”, relata Clara.
Acolhimento
De mãos dadas com o destaque local, está o enfoque na produção feminina. “Vemos muitas mulheres na cena, mas, ao mesmo tempo, não são tantas assim. O cenário artístico de Sobradinho tem poucas reconhecidas, em todas as áreas”, aponta Fernanda, escritora com livro de poesias publicado. “Como somos mulheres e artistas, entendemos a importância de nos unir e tentar dar moral e apoio umas às outras. Temos muitas mulheres fazendo artes incríveis sem ter o reconhecimento merecido”, defende a artista.
Segundo ela, ser artista é difícil, mas ser mulher artista é ainda mais. O grupo tenta, então, dar o máximo de suporte que consegue. Apesar de serem independentes e não terem muitos recursos, elas fazem o possível “para que mulheres se sintam acolhidas e a cena não seja predominantemente masculina”.
Duda ressalta que, mesmo sendo um projeto feminino, a participação de homens não é proibida. “Na maioria das coisas, se não em todas, é só nós por nós, não temos essa dependência”, frisa. Nicole complementa a amiga e ressalta que o intuito do coletivo, desde o princípio, é trabalhar com a categoria, principalmente na organização dos projetos. “É importante passar a visão das minas fazendo o corre independente pela arte e pela nossa cidade”, afirma a jovem.
Programação
As artistas organizaram, de maneira completamente autônoma, o primeiro evento do Sobradinho Artístico em agosto do ano passado, em uma casa da cidade. “Foi em uma garagem grande, com palco, mas era um local pequeno para o tanto de gente que se interessou e se inscreveu”, lembra Luanna, artista plástica e pintora. Ela também acrescenta que o processo de inscrição é feito por meio de preenchimento de formulário. “Disponibilizamos palco para as apresentações e mesa e espaço para as exposições. As pessoas puderam montar o próprio espaço como queriam”, continua Luanna.
Durante dois dias, ocorreu a primeira feira que chegou a reunir 40 artistas, entre cantores, expositores, dançarinos, pintores, fotógrafos, escritores e artesãos. O sucesso foi tanto que o segundo evento veio apenas três meses depois, no Ginásio de Esportes de Sobradinho 2, com 27 expositores e mais de 70 pessoas na plateia. Nicole conta que, após o primeiro evento, muitos artistas se interessaram, inclusive de fora de Sobradinho. “A segunda edição teve gente do Gama, Paranoá, Cidade Ocidental (GO) e Valparaíso (GO)”, anima-se a jovem. “Demos prioridade para quem não tinha participado da primeira”, completa Luanna.
Segundo ela, o evento é uma oportunidade para se conhecer artistas, mas o grupo também faz questão de levar aqueles cujos trabalhos elas apreciam.
Próximos passos
As artistas planejam a terceira edição da feira do Sobradinho Artístico para o primeiro trimestre deste ano. “Ainda não sabemos se será presencial ou virtual, mas o projeto é fazer em março”, relata Luanna. Segundo Nicole, a ideia do grupo é, antes, fazer eventos para arrecadar fundos para a exposição. “Queremos fazer um leilão on-line, no fim de fevereiro, para vender alguns quadros de artistas de Sobradinho”, detalha. O evento de março deve ocorrer na parte externa do ginásio de Sobradinho 2. “Ali é mesmo o nosso lugar”, completa Nicole.
Além dos eventos, o coletivo pretende alcançar o público por meio das plataformas digitais. “Queremos movimentar mais nosso Instagram. Temos um projeto de entrevistas com alguns artistas daqui e de outros lugares também, representando o DF, de maneira geral, e o Entorno”, planeja Fernanda. Quando perguntadas a respeito de levar o projeto para outros lugares, inclusive fora do Distrito Federal, elas não escondem a animação.
“Tem muita coisa que a gente não imagina ainda. Eu, com certeza, faria uma conexão com algum grupo de outra cidade”, admite Nicole. “Nunca foi falado, mas temos a intenção, sim. Se acontecer, se pudermos levar para fora e espalhar a ideia, fazer, por exemplo, uma conexão com São Gonçalo, com certeza. A ideia é que seja um projeto ligado a nós, mas sem ser nosso, para ser tudo uma coisa só”, deseja Fernanda. Como numa espécie de escola, Clara defende a ampliação do projeto e arremata: “Foi a partir do Sobradinho Artístico que passei a me considerar uma artista de verdade, fora que meu senso de cultura e união se amplificou. Aprendi a valorizar a arte local e a perceber como a arte salva”, reflete a artista.
Por Ana Isabel Mansur do Correio Braziliense com informações de Sueli Moitinho
Arte: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press