Análises do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF) mostram que o déficit habitacional no Distrito Federal é de 100.701 domicílios. O número corresponde a cerca de 10% das mais de 963 mil residências estimadas para a capital do país, com base na Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad) de 2021. Os dados sinalizam que esse déficit está diretamente relacionado à concentração populacional.
A maioria, de acordo com o levantamento, é do grupo de média-baixa renda, que representa quase a metade de todo o índice no DF, com 48,64% (confira o infográfico). Nesse universo estão quatro das cinco regiões administrativas do DF com mais falta de domicílios adequados: Ceilândia — 18.352 unidades; Samambaia — 8.289; Planaltina — 6.165; e Santa Maria — 5.456. Taguatinga, que faz parte do grupo de média-alta renda, tem déficit de 8.845 moradias.
O que caracteriza um domicílio para entrar no cálculo do déficit habitacional é a precariedade da habitação, a coabitação (ou seja, mais de uma família morando no mesmo domicílio) e o ônus excessivo com o aluguel, que significa que a família gasta mais de 30% da sua renda com o aluguel.
Em junho deste ano, o Governo do Distrito Federal (GDF) anunciou o Programa Meu Lar, um pacote de medidas para melhorar a política habitacional. O Plano Distrital de Habitação de Interesse Social (Plandhis), divulgado na ocasião, é o instrumento que define as diretrizes básicas para essa área. Mas, em 2023, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional (Codhab-DF) entregou pouco mais de 2 mil habitações populares, número muito inferior à demanda. E somente na semana passada a Câmara Legislativa aprovou a revisão da Política Habitacional do DF enviada à Casa pelo GDF.
O secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), Marcelo Vaz, considera essas medidas um marco. “O Plandhis traz linhas de ação para combate ao déficit com oferta de habitação, tanto de interesse social quanto de média renda, mas, principalmente, de interesse social”, ressaltou ao Correio. “Essas linhas de ação pautam os programas habitacionais que serão desenvolvidos pela Seduh, em conjunto com a Codhab, nos próximos anos”, enfatizou.
Marcelo Vaz também destacou a sanção da Lei de Parcelamento do Solo. “Trata-se de um capítulo específico de habitação de interesse social e o objetivo é exatamente que a gente consiga facilitar o processo de parcelamento do solo com segurança, mas incentivando tanto o empreendedor público (Terracap e Codhab) como o empreendedor privado, a parcelarem de forma regular e ofertarem os lotes num tempo menor, o que diminui o custo de oferta desses lotes e, automaticamente, faz com que a gente consiga atender essa demanda”, reforçou o secretário da Seduh.
Problema social
Arquiteto, urbanista e doutor em desenvolvimento sustentável e ordenamento territorial, o professor da Universidade de Brasília (UnB) Sérgio Jatobá destaca que as razões para essa escassez, principalmente nas áreas carentes, estão relacionadas à pobreza e às grandes desigualdades sociais. “Famílias com renda muito baixa e que não são atendidas pelos programas governamentais de habitação permanecem morando em áreas irregulares e pagando aluguéis muito altos”, explica. “Dessa forma, acabam convivendo com problemas como esgoto a céu aberto, falta de drenagem pluvial, ruas sem asfalto ou esburacadas, erosão, lixo e entulho”, acrescenta Jatobá.
O professor é um dos autores da pesquisa As Condições da Moradia da População de Baixa Renda no Distrito Federal, produzida pelo ObservaDF, e relembra que o estudo apontou que essas dificuldades atingem, majoritariamente, a população de baixa renda. “O relatório conclui que os programas habitacionais governamentais têm grandes limitações no atendimento da demanda por moradia digna e de qualidade no Distrito Federal. Apesar de ser um direito universal e constitucional, a moradia é um problema de difícil solução pela ação do Estado”, alerta o especialista (confira Conclusões preocupantes).
Entre as medidas paliativas ou que exigem menos recursos para amenizar a demanda habitacional para esse público, Jatobá elenca algumas, como a redução da burocracia nos processos de inscrição para os programas habitacionais, a revisão dos critérios para contemplação de inscritos, visando dar maior transparência ao processo de seleção e a ampliação dos programas de auxílio ao aluguel social.
Para mudar a realidade de forma definitiva, é necessário uma ação ampla e coordenada de medidas, não só no nível do GDF, mas também do governo federal, segundo o professor. “Elas incluem o fortalecimento de programas de transferência de renda, redução das desigualdades sociais, mais investimentos em programas habitacionais para as populações com renda muito baixa, adoção da locação social e ampliação dos programas de assistência técnica à habitação de interesse social (ATHIS)”, avalia o urbanista.
Conclusões do relatório do ObservaDF
» Falta de infraestrutura urbana e más condições ambientais;
» Falta de segurança e dificuldades na mobilidade urbana;
» Alto valor do aluguel em relação à renda familiar (ônus excessivo com o aluguel) é o principal componente do déficit habitacional e o principal motivo da mudança para o local de moradia atual;
» 28% das moradias do DF estão em lotes não regularizados, sendo que, nas áreas de baixa renda, essa proporção chega a 53% das moradias, conforme a Pdad 2021;
» A criação de cidades por programas habitacionais e o crescimento das ocupações irregulares têm provocado a expansão da mancha urbana do DF continuamente;
» Os programas habitacionais de interesse social do GDF não conseguem atender à demanda; dados da Codhab, de 2022, mostram que apenas 12,3% dos inscritos em programas habitacionais haviam sido contemplados; entre os não contemplados, 87% aguardavam há mais de cinco anos na lista de espera e 59% há mais de 15 anos. A excessiva burocracia e o alto valor das taxas cobradas foram relatados pelos não contemplados, além da percepção de injustiça na seleção.
Programas
Segundo o GDF, entre as ações implementadas, além da Lei do Parcelamento do Solo, estão: o Portal do Parcelamento do Solo e a criação da Central Integrada de Licenciamento Arquitetônico e Urbanístico do Distrito Federal (Cilurb). Nela, serão reunidos representantes de vários órgãos envolvidos no processo de licenciamento de projetos urbanísticos de regularização fundiária, parcelamento do solo e arquitetônico, como emissão de alvarás e habite-se.
Sobre a revisão da Política Habitacional do DF, o Executivo afirma que o objetivo é adequar a legislação local à federal, para obter recursos da União e garantir um atendimento habitacional compatível com a realidade da capital e da Região Metropolitana do DF. Alguns dos critérios foram alterados para quem pode ser contemplado na política habitacional, como o de residir no DF nos últimos cincos anos. Agora, esse requisito passará a incluir pessoas que não vivem, mas que trabalham na capital, como moradores do Entorno.
Outra alteração que ocorreu no projeto é a limitação de que o candidato não poderia ser, nem ter sido, proprietário, comprador ou cessionário de imóvel no DF. Com a mudança, essa condição passa a valer após o prazo de 10 anos.
O Plandhis tem como público-alvo habitações de interesse social (0 a 5 salários mínimos) e habitações de mercado econômico (5 a 12 salários mínimos). São cinco linhas de ação: imóveis prontos; lotes urbanizados; assistência técnica; locação social; e moradias emergenciais para situações urgentes e temporárias.
A Codhab, por meio de nota, disse que está empenhada em entregar e lançar novos empreendimentos habitacionais. Para o ano que vem, o planejamento de entregas está sendo finalizado. Segundo o órgão, empreendimentos como Itapoã Parque, QNR 06 (Ceilândia), Residencial Horizonte (Sol Nascente) e Remas (Recanto das Emas) estão na lista de previsão.
Por Arthur de Souza do Correio Braziliense
Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press / Reprodução Correio Braziliense