Se estar no trânsito é um fator de perigo, imagine para quem pilota uma motocicleta. Dados mais recentes do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) mostram que, no primeiro semestre de 2024, uma média de seis motociclistas morreram, por mês, vítimas de sinistros nas vias da capital do país — foram 38 no total, número que só perde para a quantidade de pedestres mortos.
Na madrugada de 4 de setembro, a garçonete Aline Alcântara da Silva, 32 anos, perdeu o irmão mais velho, Marcos Paulo Alcântara da Silva, 40, após um acidente em Águas Claras. Segundo ela, um policial militar ligou por volta das 3h30, informando sobre a tragédia. “Ele disse o que tinha acontecido e pediu para que eu ficasse calma, pois meu irmão já tinha sido encontrado morto”, recorda.
Aline afirma que o corpo do irmão — que era motoboy e estava finalizando a última entrega do dia, antes de retornar para casa — tinha uma pancada muito forte na cabeça. “Inclusive, a causa da morte foi traumatismo craniano. A moto também tinha danos muito grandes”, detalha. “Uma filmagem, que não cheguei a ver, apenas me contaram, mostrou que ele estava bem devagar, bateu numa ‘tartaruguinha’ e caiu”, acrescenta a garçonete.
Pouco mais de uma semana após o ocorrido, ela conta que a família está “de mãos atadas”, pois enterraram o ente querido sem saber a causa real do acidente. “Minha mãe, principalmente, está muito mal, sem comer e sem dormir direito. Era o filho mais velho, que era basicamente um pai, pois cuidou de toda a família”, lembra. “A única coisa que queremos saber é o que aconteceu, para podermos ficar mais em paz. Ele não corria e usava capacete. Não dá para entender como alguém tão prudente morre de uma forma tão trágica”, desabafa.
Doutora em Transportes pela Universidade de Brasília (UnB), Adriana Modesto afirma que, tendo em vista aqueles que utilizam a motocicleta como veículo de trabalho, para a prevenção dos sinistros e, adicionalmente, para que seja evitada também a precarização do trabalho, é importante oferecer mapas de georreferenciamento, pontos de apoio e capacitações diversas.
A especialista ressalta que é necessário reforçar abordagens preventivas, específicas para entregadores, aproveitando as discussões em torno das condições laborais e da necessidade de se prover a categoria com garantias trabalhistas. “São trabalhadores que vivem sobre ‘a corda bamba’, expostos, inclusive, a modalidades de assédio, pois o importante é que a ‘pizza chegue quentinha’, ainda que ao custo da perda de uma vida”, comenta a doutora.
Quase mortais
Augusto Barbosa, 40, trabalha como mecânico e conta que sofreu três acidentes de moto, sendo o último, em 2022, o mais grave. “Estava saindo de Brasília para Minas Gerais para visitar meus pais. Na BR-040, ainda no DF, ao reduzir para passar em uma barreira eletrônica, passei em uma ‘tartaruguinha’, a moto perdeu o equilíbrio e acabei caindo”, recorda.
Augusto conta que as consequências do acidente foram muito severas e ele precisou, inclusive, ser afastado do trabalho. “Quebrei a clavícula, a tíbia e a fíbula. Foram 15 dias internado e quatro meses em cadeira de rodas. Fiz duas cirurgias, coloquei placa de titânio na clavícula e na perna, além de mais alguns parafusos na perna”, detalha. Apesar de ser apaixonado por moto, o mecânico afirma que ficou mais de um ano sem pilotar, por medo. “Quando voltei a andar de moto, diminuí a velocidade na via”, garante.
Maria Carolina Rodrigues, 43, narra os momentos em que temeu pela sua vida, quando sofreu uma queda de moto na BR-070, em maio deste ano. “Estava indo para o trabalho. Trafegava no corredor, quando fui atingida por outra moto que vinha em alta velocidade, desequilibrei e caí na pista cheia de veículos”, comenta. “Na hora, tive medo de ser atropelada e perder a vida”, afirma Maria.
Apesar do susto e de ter sido arrastada no asfalto, ela conta que não teve muitos ferimentos. “De tudo que poderia ter me acontecido, quebrei somente a clavícula. Fiz cirurgia e estou na fisioterapia, mas sei que poderia ter acontecido coisas bem piores”, ressalta. Apesar de ainda pilotar, Carol não vê mais a sua vida em cima de uma moto. “Hoje, uso a moto apenas para o meu trabalho. Sou motofretista, mas, honestamente, pretendo largar o quanto antes. Sempre fui bem precavida, mas, depois do acidente, fiquei muito mais assustada. Apesar de todo o cuidado, trabalhar com moto é aquela coisa. Você sai de casa, mas não sabe se volta”, desabafa.
Atenção redobrada
Para que os números diminuam, o chefe do Núcleo de Campanha Educativa do Detran-DF, Miguel Videl, afirma que, para os motociclistas, a primeira coisa a se ter em mente é conferir se a motocicleta está em condições de uso. “Ou seja, verificar pneus e parte elétrica. Além disso, é necessário que os equipamentos obrigatórios de segurança, como os retrovisores, a buzina e os faróis estejam funcionando perfeitamente”, comenta.
Ao entrar em uma via, Videl ressalta que o condutor de uma motocicleta deve redobrar a atenção ao mudar de faixa, sempre sinalizar com antecedência e não ficar costurando, com a moto, os demais veículos. “É importante também que os motociclistas pilotem no corredor apenas quando o trânsito estiver parado ou em baixa velocidade”, alerta.
“Vale ressaltar que o capacete é um item obrigatório e precisa ter, nas laterais e na parte traseira, fitas adesivas retrorrefletivas. Além disso, ele precisa estar preso, bem ajustado na jugular e com a viseira abaixada”, acrescenta o agente do Detran-DF, pontuando que, para motociclistas que fazem o trabalho de entrega ou de mototáxi, a antena corta-pipa e o mata-cachorro (protetor de carenagem) são itens obrigatórios.
Trânsito de todos
Em relação aos demais condutores, o chefe do Núcleo de Campanha Educativa destaca que o trânsito é feito por todos e que o maior sempre deve cuidar do menor. “Nosso principal pedido é que não utilizem o celular enquanto estiverem dirigindo, pois isso tira a atenção e, consequentemente, torna o trânsito mais perigoso. O celular está entre as três maiores causas de sinistros no Brasil”, aponta.
Videl pontua que, assim como os motociclistas, os motoristas também precisam sinalizar, com antecedência, a manobra pretendida, além de verificar nos espelhos retrovisores se há um motociclista na faixa ao lado ou até mesmo no corredor. “Sobre o último ponto, é importante que o motorista perceba que o condutor de uma moto, ao andar no corredor, pode acabar entrando no ponto cego, por isso, a atenção deve ser redobrada”, ressalta.
Sobre os projetos que o Detran-DF tem para divulgar a prática da pilotagem defensiva, Miguel Videl destaca o Entregador de App. Nele, uma equipe da Diretoria de Educação vai aos pontos onde os motociclistas que trabalham com entregas ficam concentrados e os agentes dão uma minipalestra de orientação e conscientização no trânsito, que inclui os cuidados necessários ao pilotar; uso dos equipamentos obrigatórios; os cuidados ao estar na via; e a maneira correta de utilizar um capacete.
No fim das orientações, todos ganham uma antena corta-pipa, um chaveiro e um folder educativo com orientações sobre as legislações que regem os motociclistas.
Vítimas mortas em 2024*
Pedestre – 41
Motociclista – 38
Demais condutores – 16
Passageiro – 8
Ciclista – 7
*até junho
Fonte: Detran-DF
Por Arthur de Souza e Alessandro de Oliveira do Correio Braziliense
Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press / Reprodução Correio Braziliense