Ao ser ouvida pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga os atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro, a coronel Cíntia Queiroz de Castro, ainda subsecretaria de Operações Integradas, afirmou que não houve falha de planejamento e sim de execução.
De acordo com a depoente, o Planejamento de Ações Integradas (PAI) previu todos os cenários possíveis. “Foi realizado considerando o nível máximo de ameaça. Não houve falha no planejamento. Houve falha na execução”, garantiu a coronel. Prontamente, ela foi questionada por Chico Vigilante (PT), presidente da CPI. “Quem falhou”? “Por parte da Polícia Militar não foi cumprido o planejamento”, declarou a coronel.
Em continuidade, o presidente da comissão indagou sobre o atraso das tropas. Segundo ele, em depoimento prestado à Polícia Federal, Cíntia disse que o Ex-comandante da PM, coronel Fábio Augusto, estava preocupado com o efetivo desde a manhã do dia 8 e ligava para o Departamento de Operações (DOP) e ninguém respondia ou, quando respondia, dizia que a tropa estava chegando e não chegava nunca. “Pergunto: acredita que o coronel Naime ou o tenente-coronel Paulo José podem ter retardado a chegada da tropa?”, perguntou Vigilante.
Segundo a coronel “Fato que a tropa demorou a chegar e fato que o coronel Fábio solicitou por inúmeras vezes o reforço do efetivo da PM no local. Eu acredito, particularmente, que a tropa não conseguiu chegar a tempo porque estava de sobreaviso [e não de prontidão]”, falou, completando que o DOP é diretamente subordinado ao subcomandante-geral da PM, “durante o relatório do interventor [Ricardo Cappelli] foi que nós tomamos conhecimento através dos relatórios que passaram na Secretaria de Segurança Pública (SSP) que o subcomandante deixou a tropa de sobreaviso”, pontuou.
Em oitivas anteriores, membros da PM já ressaltaram que há duas situações distintas relativas à situação da tropa. Segundo eles, quando os policiais estão de sobreaviso, aguardam em casa e, caso necessário, são chamados ao quartel. Lá, receberão uniformes e equipamentos para se agruparem e se deslocarem ao local da ocorrência. No entanto, quando a tropa está em prontidão, os policiais já estão no quartel, uniformizados, equipados e agrupados, sendo necessário somente o tempo de deslocamento ao local da ocorrência.
Segundo Cíntia, não é definido em qualquer PAI qual é o efetivo que deve ser empregado por cada força de segurança. “Se eu apresentar 600 documentos, não vai verificar nenhum tipo de quantitativo de efetivo, de nenhum órgão. Isso é um desdobramento operacional de cada órgão”, disse, afirmando que a subsecretaria de Operações Integradas nunca definiu efetivo em nenhum planejamento que foi realizado lá.
A coronel também foi questionada a respeito das informações que passou ao então subsecretário de Segurança, Julio Oliveira, no dia 8 de janeiro, dando conta de uma situação tranquila. De acordo com ela, as informações que foram repassadas ao Fernando, foram às 6h, às 8h e às 9h da manhã. “Nesse momento, a gente tinha em torno de 20 a 25 manifestantes e cerca de 400 policiais militares”, destacou. Vigilante, por sua vez, indagou porque havia 400 policiais de manhã e à tarde apenas 200. “Por que mingou esse número?”, perguntou o presidente. “Só o departamento de operações ou o comando do 1º CPR podem explicar”, afirmou a subsecretária.
O relator da CPI, deputado Hermeto (MDB) perguntou, então, sobre o indiciamento da Polícia Militar à depoente. O distrital salientou que conhece a coronel apenas pelo seu trabalho dentro da corporação, que é muito respeitado pelos seus pares e subordinados. “Tanto é que o novo secretário Sandro Avelar a manteve no cargo e isso quer dizer alguma coisa. Se a senhora acha que fez o seu trabalho certo, porque foi indiciada pela PM”, questionou o relator.
Se defendendo, Cintia afirmou que o trabalho foi fundamentado em atos normativos. “A PMDF me indiciou por prevaricação e omissão quando todo o PAI foi completamente baseado em um ato normativo que regulamenta manifestações. Todo o ato normativo foi contemplado. No momento adequado, vou provar que o planejamento foi cumprido em acordo com o ato normativo que existe no DF. Se houve algum tipo de prevaricação e falha da minha parte, foi com a minha saúde e com a minha família”, exclamou.
Também foi comentado sobre a participação do que Chico Vigilante chamou de terroristas em reuniões preparatórias de segurança pública. “A senhora entende que é normal que terroristas participem de reunião de planejamento da Subsecretaria de Operações Integradas?”, perguntou o presidente da CPI, alegando ter em mãos uma relação de presentes em reunião em 7 de dezembro para tratar de manifestação no Setor Militar Urbano (SMU) e na Esplanada dos Ministérios. “Constam os nomes de Rodrigo Yassuo Faria e Klio Damião, que está presa identificada pela polícia como participante dos atos do dia 12 de dezembro. Não é irresponsabilidade, para não dizer crime, deixar que um terrorista participe de uma reunião de onde sairá exatamente o que cada força policial irá fazer”, questionou.
Sobre o assunto, a coronel respondeu que na Subsecretaria todas as pessoas que estão à frente de manifestações são recebidas. “É normal, recebemos todas as pessoas e não fazemos investigação de antecedentes criminais e não temos como prever os atos que essas pessoas vão cometer”, declarou.
A depoente foi interrogada diversas vezes a respeito do acampamento no Quartel General do Exército (QG) e dos pedidos por desocupar o espaço. Segundo ela, por três vezes, o Comando Militar do Planalto (CMP) solicitou apoio da SSP referente ao acampamento. “A gente tinha a expectativa de que era para tratar da retirada, mas quando chegava nas reuniões das tratativas, a gente era surpreendida porque o CMP informava que as operações que fossem desencadeadas seriam apenas para retirar o comércio de ambulantes, que não seria permitido tocar nas barracas dos acampados, não poderia mexer na cozinha coletiva, na tenda religiosa”, respondeu a depoente. “Não foi retirado porque não foi permitido pelo CMP”, completou.
Ainda de acordo com a subsecretária, houve uma reunião no dia 6 de dezembro que aconteceu para preparar uma operação no dia 7 e, quando o planejamento ainda estava sendo feito, eles receberam uma ligação do secretário de Segurança. “Ele falou para mim que recebeu uma ligação do exército, dizendo que a operação do dia 7 não era mais para ser realizada. Eu recebo ordens e cumpro”, declarou.
O primeiro PAI relativo ao acampamento, como explica a coronel, foi realizado em decorrência de uma manifestação que ocorreu no dia 4 de novembro de 2022. “O demandante foi o CMP, que pediu para assegurar a livre circulação e a segurança das vias nos diversos pontos de acesso ao local e pediu para autorizar o acesso de carros de som Coiote a permanecer na Avenida do Exército de 4 a 6 de novembro”.
Fábio Félix (PSOL), por sua vez, perguntou sobre o clima da manifestação no dia 8 de janeiro, e a depoente falou que nunca viu nada igual. “No Itamaraty, quando invadiram a linha do Congresso Nacional, em 29 anos de PM, eu nunca tive uma experiência com um grupo como aquele”, contou. Félix reiterou que o acampamento foi o início do que chamou de tentativa de golpe de Estado.
Já o deputado Joaquim Roriz Neto (PL) perguntou se houve alguma tentativa de retirada do acampamento após a posse do presidente Lula. Em resposta a isso, Cintia afirmou que a última tentativa foi no dia 29 de dezembro, “tentativa”, frisou. Depois disso foi a retirada, que aconteceu no dia 9 de janeiro, por determinação do ministro Alexandre de Moraes. Houve uma reunião no dia 6, às 10h, na qual o general Dutra relatou que havia 300 pessoas acampadas e pediu apoio do GDF porque desses acampados, 150 eram de outros estados que perderam seus ônibus e não tinham dinheiro para voltar e outros 150 manifestantes eram pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Aproveitando o assunto, o deputado Pastor Daniel de Castro (PP) questionou se Cintia poderia afirmar que o grupo acampado em frente ao QG é o mesmo grupo que invadiu o Palácio do Planalto, o Congresso e o STF. Ao que a coronel respondeu, a única coisa que ela poderia dizer é que o grupo que entrou no Congresso Nacional é o grupo que veio da marcha do Setor Militar Urbano (SMU). “Não tenho conhecimento de outro grupo vindo de outro local”, respondeu a subscretária.
A deputada Jaqueline Silva (sem partido) questionou sobre a ausência de representante do GSI na reunião para confecção do PAI. Sobre isso, Cintia declarou que todos os contatos foram feitos, mas nem todos respondidos. Segundo ela, o GSI e a Câmara dos Deputados foram os únicos que normalmente comparecem e não estiveram na reunião de sexta-feira, dia 6 de janeiro. Lamentando a falta, Jaqueline declarou: “Estamos falando de uma situação complexa e, sem dúvida, se tivéssemos a participação desses representantes, talvez poderia ter pelo menos amenizado o que aconteceu”.
Líder de Governo na CLDF, o deputado Robério Negreiros (PSD) insistiu sobre não ter representante do GSI na reunião. “Houve alguma manifestação sobre a ausência do GSI na reunião?”, questionou Robério. “Não, até porque o GDF não tem a competência de dar atribuição aos órgãos federais. As casas federais só apoiam o GDF com gradil e a qualquer momento essas peças já estão lá. A ausência ou não do GSI não iria mudar em nada o que aconteceu no dia 8 janeiro”, afirmou a coronel.
Convocação dos generais Augusto Heleno e G. Dias
Nesta mesma data, a CPI aprovou a convocação dos generais Augusto Heleno e Marco Edson Gonçalves Dias para oitivas na condição de testemunha. Ambos comandaram o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI).
Foi aprovada ainda a reconvocação de Marília Ferreira Alencar, ex-subsecretária de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP/DF), com objetivo de esclarecer aspectos específicos. O requerimento para convocação do comandante-geral da PMDF, coronel Klepter Rosa Gonçalves, foi retirado de pauta.
Outras aprovações dizem respeito ao requerimento para convocação de Adriano Machado, fotógrafo da Reuters, que seria ouvido sobre sua presença registrando os atos do dia 8 de janeiro de 2023. Na discussão da votação, o presidente da CPI encaminhou pela reprovação do requerimento, argumentando a garantia constitucional da imprensa em preservar fontes. Neste sentido, foi acompanhado pelos deputados Hermeto (MDB), Fábio Felix (PSOL) e pela vice-presidente da comissão, deputada Jaqueline Silva (sem partido).
Por fim, foi aprovada a convocação de Ana Priscila Azevedo, apontada como uma das organizadoras dos atos terroristas em Brasília.
Por Mayara Dias do Jornal de Brasília
Foto: Reprodução Jornal de Brasília