O ministro defendeu a validade de um decreto, editado pelo governo Bolsonaro, que incentiva a separação de alunos com deficiência. O texto foi considerado um “retrocesso” por entidades de ensino.
Em um mês e meio de atuação no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Kassio Nunes Marques tem proferido votos e tomado decisões individuais alinhados aos interesses do Palácio do Planalto e da classe política. Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, com o apoio do Centrão, Nunes Marques impôs derrotas à Lava Jato, votou contra a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara, beneficiou candidatos “fichas sujas” e ficou isolado no plenário da Corte ao colocar uma série de empecilhos para a vacinação obrigatória contra o novo coronavírus no País.
O ministro defendeu a validade de um decreto, editado pelo governo Bolsonaro, que incentiva a separação de alunos com deficiência. O texto foi considerado um “retrocesso” por entidades de ensino. Por 9 a 2, no entanto, o plenário do STF acabou vetando a medida, concordando com as alegações de que a política de Bolsonaro viola os preceitos da dignidade humana e dos direitos das pessoas com deficiência.
“Ele não tem no nome o patronímico Bolsonaro. Quem ocupa cadeira do STF não está atrelado a nenhum governo, por mais liberal, autoritário e forte que seja o governo. A cadeira é vitalícia para atuarmos com independência absoluta. A cadeira é muito maior do que aquele que a ocupa”, disse ao Estadão o atual decano do STF, ministro Marco Aurélio Mello.
O alinhamento de Nunes Marques ao Palácio do Planalto ficou evidente na semana retrasada, durante julgamento que discutia a possibilidade de sanções, por parte de Estados e municípios, a quem recusar a vacina contra a covid-19. Bolsonaro já disse que é contra a vacinação obrigatória e que não pretende ser imunizado.
Nunes Marques exigiu que o Ministério da Saúde fosse consultado. Destacou, ainda, que a vacinação obrigatória deveria ser a “última medida de combate” contra a disseminação do novo coronavírus, após o “esgotamento de todas as formas menos gravosas de intervenção sanitária”. Nenhum ministro o acompanhou nesses pontos.
“Não há prova de que a União tenha editado qualquer ato administrativo impedindo a aquisição de vacinas pelos Estados e municípios ou tenha obstado a instituição de vacinação compulsória onde quer que seja”, disse Nunes Marques no julgamento. “Eventual fala do presidente da República para meios de comunicação ou em perfil de rede social não é ato administrativo e não é expressão da vontade da União. O presidente é também um agente político e, como tal, tem o direito de expressar suas opiniões, inclusive com o intuito de influenciar a opinião pública em favor das teses que defende. Isso faz parte da liberdade de expressão e do jogo político.”
Nunes Marques já havia atendido aos interesses do Planalto no controverso julgamento que discutia se os atuais presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), poderiam ser reconduzidos aos respectivos cargos. “Se o presidente da República pode ser reeleito uma única vez, por simetria e dever de integridade, este mesmo limite deve ser aplicado aos presidentes da Câmara e do Senado”, escreveu Nunes Marques em seu voto, ao barrar as pretensões de Maia, como desejava Bolsonaro. O candidato apoiado pelo Planalto para o posto de Maia é o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), líder do Centrão.
“O ministro até agora tem revelado, no campo jurídico, um alinhamento com as posições políticas mais recentes do presidente da República. Do ponto de vista jurídico, nesse curto tempo na Corte, tem errado mais do que acertado, como nos casos da vacinação obrigatória e do decreto sobre a separação de alunos com deficiência”, avaliou o professor de Direito Constitucional da FGV-SP Roberto Dias.
O ministro também provocou desconforto no STF ao atender aos interesses da classe política e suspender, na véspera do recesso, trecho da Lei da Ficha Limpa, reduzindo o período de inelegibilidade de políticos condenados criminalmente Na prática, a decisão de Nunes Marques liberou o caminho de candidatos que concorreram nas eleições municipais de 2020, mas tiveram o registro barrado pela Justiça Eleitoral por causa da legislação.
A decisão, de apenas quatro páginas, provocou fortes críticas de integrantes do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ministros ouvidos pelo Estadão avaliaram que o entendimento de Nunes Marques era “absurdo” porque flexibilizava “regras já confirmadas pelo próprio STF”. A expectativa é a de que a medida seja revista.
Se por um lado é criticado por colegas, Nunes Marques também tem recebido afagos públicos de Bolsonaro, que atraiu críticas até mesmo de aliados ao escolher o magistrado para a vaga de Celso de Mello.
Na última quinta-feira, o presidente comentou, em live nas redes sociais, a decisão do ministro que beneficiou “fichas sujas”. “O que o Kassio votou – não vou defendê-lo, nem acusá-lo, ele passou a ser um ministro com total autonomia -, ele definiu na sua liminar em uma pequena parte da Lei da Ficha Limpa foi o início da contagem da inelegibilidade”, disse.
Bolsonaro destacou que a decisão deve ser analisada pelo plenário da Corte. “Ele pode estar errado, o pessoal decide lá ”
Em outra ocasião, Bolsonaro elogiou o voto do ministro no julgamento sobre o direito de amante dividir pensão com viúva. “Por 6 a 5, o STF decidiu que a amante não tem direito a pensão. Você sabe como foi o voto do Kassio? Procura saber. Se tivesse lá o Celso de Mello (ministro que se aposentou em outubro), teria sido aprovado o direito da amante”, disse Bolsonaro. Em julgamento no plenário virtual, Nunes Marques entendeu que amantes não têm direito à pensão por morte, endossando a posição da maioria do STF.
O novo ministro também pediu destaque no julgamento virtual de duas ações que tratavam do direito do presidente de bloquear usuários nas redes sociais, principal forma de comunicação com o público.
A ministra Cármen Lúcia considerou o bloqueio de seguidores um ato “antirrepublicano”, que contraria os princípios da democracia. Para Marco Aurélio, o presidente não pode exercer “papel de censor”. Com a estratégia de pedir destaque após o voto dos dois relatores, Nunes Marques paralisou a discussão, tirando o debate do plenário virtual. Não há previsão de quando os casos serão retomados.
Procurado pelo Estadão, Nunes Marques não se manifestou.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Marcus Eduardo Pereira Jornal de Brasília com informações de Sandra Barreto do Portal Painel da Cidadania
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